Ontem uma notícia que repercutiu fortemente foi a adoção da Ripple como meio de transferências entre a libra esterlina, euro e dólar. O aplicativo OnePay FX, do Santander (SA:SANB11) no Reino Unido, permite realizar transações facilmente entre essas moedas, por meio do protocolo Ripple. Por um lado, isso é uma excelente novidade para quem investe em criptomoedas, já que uma delas possui aplicação comercial e adoção por players consolidados no mercado financeiro. Por outro, há um sinal amarelo aceso: por que foi uma tecnologia com certa centralização e não alguma baseada em blockchains?
A resposta é clara: as blockchains não foram desenhadas para a velocidade das transações práticas que precisamos no cotidiano. Quando vemos o design de uma blockchain clássica, o tempo entre blocos é frequentemente maior que o de minutos – Bitcoin conta com 10 minutos e Litecoin 2,5 – sendo uma exceção o Ethereum, blockchain mais recente, 15 segundos. As blockchains públicas mais famosas sofrem com problemas de escalabilidade sem grandes garantias de privacidade. Isso é conhecido por muitos analistas, porém permanece certo otimismo inocente. No entanto, o que essa adoção do Ripple significa realmente para valuations de moedas?
Para entender isso, é importante apontar um erro que vejo em muitos entusiastas: a confiança excessiva nas tecnologias adotadas, sem compreendê-las em profundidade. Que a blockchain é disruptiva e genial, todos estamos cansados de ouvir. Os motivos pelos quais ela seria importante para algum business não ouvimos tanto, mas existem e com uma breve busca no Google (NASDAQ:GOOGL) se encontram facilmente. O que se evita perguntar e é fundamental para entender as limitações atuais são: como as pessoas faziam antes da blockchain e por que funcionava?
Aplicações centralizadas já existem e dominam o mundo. As soluções baseadas em blockchain precisam se mostrar não apenas boas, mas excelentes. Elas devem ser de qualidade suficiente a fim de levar algum business decidir abandonar parte do que já foi feito até então para se adequar ao novo padrão. Claro que as tecnologias atuais estão no começo de sua evolução posto que possuem menos de uma década e ainda vão se desenvolver, mas certo aprimoramento se faz mandatório antes da adoção. Ou isso, ou o preço das transações deve ser baixíssimo se comparado ao realizado até então.
Por isso, não é mero acaso o sucesso da Ripple: as transações em sua rede são baratas e simples de integrar aos sistemas financeiros. Sua capitalização de mercado pode ser alta, porém seu token e custo por transação são baixos. Além do mais, a Ripple, mais que uma moeda, é uma plataforma que permite transações de vários tipos de maneira simples. A utilidade dessa tecnologia vem mais do que de seu valor como criptomoeda.
O que isso ensina para os analistas? Possivelmente as tecnologias que as blockchains e outras ferramentas distribuídas procuram substituir têm fortes raízes e motivos para ainda serem adotadas. Uma empresa mudar todo seu sistema para atingir o mesmo resultado ao mesmo custo não faz sentido. Ou seja, as redes públicas devem se integrar de maneira mais imediata e a um custo menor. Quando avaliam projetos com base no atual tamanho do mercado, ignora-se que as novas tecnologias devem baratear algo: o target que serve de referência para os tokens descentralizados deve ser sempre menor do que o tamanho do mercado a ser substituído, excetuando-se casos onde a tecnologia seja tão disruptiva que o mercado sofra forte expansão (não conheço tantos projetos assim, infelizmente).
O Ripple não é uma moeda que se propõe reserva de valor, mas trouxe um benefício para a comunidade bancária. Não creio que seja sensato esperar um token XRP valendo milhares de dólares, porque isso dificultaria sua missão explícita: ser um meio de pagamento. Entretanto, devemos notar que a Ripple traz duas lições: é importante ser barato e é importante ser integrável para ter chances de sobreviver a longo prazo. Apesar de tecnologias inovadoras serem lindas, o mundo real é tocado por empresários e pessoas como a gente, que gostamos de pagar menos para ter um serviço simples e adequado. Isso leva a crer que, para uma aplicação descentralizada ser adotada, seu preço normalmente será menor que o atualmente praticado no mercado, limitando seu valor.
Por fim, não quero desanimar os investidores de plataformas ou criptoativos que procuram atender uma demanda real: ainda há potenciais mercados de grande valor. Por mais que os ativos precisem provavelmente ser mais baratos, ainda há oportunidades de crescimento. Para os investidores que procuram reservas de valor confiáveis, a discussão da Ripple não é muito proveitosa, afinal obras de arte são reservas de valor e não há milhares de transações com elas por segundo: os drivers são diferentes. Esse texto visa apenas sugerir que, talvez, algumas valuations sejam superestimadas por ter em mente o mundo atual ou teorias de adoção pouco críveis: o mundo que as tecnologias distribuídas podem trazer é um mundo mais eficiente e barato, e nós devemos estar preparados para isso.