Açúcar: Quando o inesperado vira rotina

Publicado 14.04.2025, 09:20

O mercado de açúcar passou por mais uma semana de forte instabilidade, refletindo a confluência de variáveis exógenas que desafiam qualquer tentativa de previsibilidade. Uma variável atende pelo nome de Donald Trump que colocou o planeta de cabeça para baixo sem que ninguém tenha a menor ideia do que do que vai acontecer daqui para a frente.

NY encerrou a semana com o contrato de açúcar para vencimento em maio/25 cotado a 17.99 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 85 pontos (quase 18 dólares por tonelada) em relação ao fechamento da semana anterior. Mesma contração teve o contrato com vencimento para julho/25 fechando a 17.83 centavos de dólar por libra-peso. O real teve pequena desvalorização contra o dólar de 0.5% na semana fechando a 5.8724. Os valores do açúcar em NY convertidos em reais por tonelada recuaram mais de 100 reais por tonelada para os meses da 25/26; 60 reais por tonelada para os meses da 26/27. Fazer hedge com os preços que vimos recentemente não faz mal a ninguém.

O petróleo tipos WTI e Brent, que serve de referência para a Petrobras (BVMF:PETR4), além da gasolina e o diesel, são os grandes perdedores do mês até agora, com quedas entre 9 e 14%. A defasagem entre o preço da gasolina no mercado externo e o preço na refinaria imposto pela Petrobras, permitiria a redução do preço em cerca de 11%. O impacto dessa redução seria benéfico para governo pois baixaria a inflação. Difícil saber se isso vai acontecer dada a volatilidade do mercado de câmbio de das commodities energéticas.

No canavial, o início da safra 2025/26 carrega consigo mais dúvidas do que certezas. Em conversas com diversas usinas, o sentimento da maioria é de preocupação. A qualidade da cana vem abaixo do esperado: algumas unidades já reportam perdas na ATR de até 10 kg/tonelada inferiores aos registrados no mesmo período do ano passado. Soma-se a isso um TCH também mais fraco, o que significa menos toneladas de cana por hectare colhido. Em um caso específico, a combinação desses dois fatores representa uma perda de 24% na produtividade nas primeiras semanas de moagem.

Ainda que esse número possa melhorar ao longo da safra, a perda consolidada, segundo estimativas internas, pode girar em torno de 5% — o que, em relação ao volume processado na safra passada (620 milhões de toneladas), nos colocaria em algo próximo a 589 milhões de toneladas neste novo ciclo. Um número que coincide, curiosamente, com projeções divulgadas publicamente por outros agentes de mercado. O número da Archer Consulting permanece inalterado, ou seja, 596.75 milhões de toneladas de cana. A média da estimativa de cerca de 20 consultorias do mercado é de 605 milhões de toneladas de cana.

Esses elementos ajudam a explicar o comportamento recente do spread entre os vencimentos de maio e julho. Mesmo com uma queda expressiva nos preços do açúcar na tela de Nova York o spread se valorizou. Isso não é trivial. Quando os preços caem e o spread aperta, é sinal de que o mercado está mais preocupado com a disponibilidade imediata do produto do que com a direção geral dos preços. É o típico movimento de quem está vendido e começa a cobrir posição por medo de não receber o volume prometido no prazo.

Relatos de algumas usinas indicam que algumas tradings estão tentando antecipar a entrega de contratos com vencimento em maio por até duas ou três semanas. Em paralelo, já há registro de nomeação de navios antes do período habitual, o que reforça a tese de que o mercado físico está aquecido, pelo menos no curto prazo, e que há um receio real quanto à capacidade de entrega por parte de usinas do Centro-Sul. Por outro lado, consumidores industriais atrasam a retirada de açúcar das usinas que por sua vez acham até conveniente que isso ocorra, pois, a produção está lenta.

Essa percepção pode se intensificar nas próximas semanas, à medida que nos aproximamos da data de vencimento do contrato de maio. A divulgação dos dados da primeira quinzena de abril pela UNICA será um ponto de inflexão importante. Caso os números confirmem uma safra lenta, de baixa produtividade inicial, poderemos ver uma reação mais intensa no mercado futuro, com potencial de valorização especialmente nos spreads de curto prazo.

Em resumo, estamos diante de um mercado onde o comportamento do preço à vista (ou de curto prazo) não conversa mais com o clima de desvalorização generalizada que predomina no macro. A razão é simples: a preocupação com a oferta imediata está ganhando força. E, como bem sabemos, em mercados de commodities, percepção de escassez é um gatilho poderoso — às vezes até mais do que a escassez em si. Segundo um executivo atuante na área de consumo, hoje existem dois tipos de traders no mercado: os que não sabem o que está acontecendo e os mentirosos.

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Em 2008, o autor Stephen Weir lançou o livro As Piores Decisões da História. A obra traz um catálogo de desastres impulsionados por líderes que, tomados por ira, inveja, ganância, luxúria, orgulho ou pura e simples estupidez — ou, como preferem os mais clássicos, os sete pecados capitais — cometeram erros de proporções épicas. Estão lá Nero, que abrindo espaço para um novo palácio, acabou destruindo Roma, que ardia em chamas. O jovem Churchill, com o fiasco de Gallipoli, com mais de 400,000 mortes. Mao, com seu “Grande Salto para a Frente”, tirando todos os agricultores das próprias terras para iniciar uma revolução industrial insustentável, que causou a morte por inanição de 20 a 40 milhões de pessoas; e até o bug do milênio, que desperdiçou centenas de bilhões de dólares e que gerou mais pânico que problema. E, claro, a famosa Enron, que ensinou ao mundo como transformar contabilidade criativa em catástrofe financeira.

Tenho absoluta convicção de que, na próxima edição, Stephen vai reservar um capítulo inteiro ao festival de trapalhadas promovido por Donald Trump. Ainda não conseguimos medir o tamanho do estrago causado por suas “decisões estratégicas”, mas, considerando o histórico do personagem, dá para apostar que o prejuízo virá com juros, correção monetária e uma pitada de caos geopolítico. Quando a política é conduzida como reality show e o ego do protagonista ocupa mais espaço que o orçamento federal, o roteiro dificilmente termina bem.

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