O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o vencimento março/23 cotado a 19.61 centavos de dólar por libra-peso, uma elevação pequena de 12 pontos (2.65 dólares por tonelada) em relação à semana anterior. O real sofreu uma desvalorização frente ao dólar de 0.56%, encerrando a semana a R$ 5,2491 por US$. Isso tudo apesar da indicação de Fernando Haddad para Ministro da Fazenda. Sem comentários.
A queda de mais de 10% no preço do petróleo no mercado internacional, a redução do preço da gasolina em R$ 0,20 por litro nas refinarias e a indefinição acerca do retorno da cobrança dos impostos federais nos combustíveis contribuírampara o colapso no preço do etanol na B3 (BVMF:B3SA3), valendo 350 pontos de desconto em relação ao açúcarNY.
Alguma coisa está divergente nessa conta: 350 pontos de spread não duram muito. Mas, os fundos continuam comprando mais e sustentando o mercado. Vamos ver até quando.
O mercado busca sustentação fabricando narrativas na Índia com uma redução estimada de 7% na produção. Todo cortador de cana sabe que é muito cedo palpitar sobre o tamanho da safra indiana nesse momento. A conversa procura dar mais sustentação aos preços internos daquele país, mas o risco de uma redução na safra – neste momento – é apenas conversa mole.
Não é a primeira vez que abordo essa questãocomplexa aqui nesse espaço e certamente não será a última. O fato é que existe necessidade imperiosa por parte de todos os envolvidos de se discutir o atual modelo do Consecana, instrumento em vigor há mais de 20 anos, criado com o objetivo de dar transparência no pagamento da cana do fornecedor. O método busca extrair do faturamento da unidade industrial (usina) o valor correspondente à participação da cana destinando assim o pagamento para o fornecedor.
A metodologia foi acertada à época de sua implementação, mas é necessário que ela seja adaptada à nova realidade do mercado. Por exemplo, em 2000 o combustível no Brasil (gasolina) tinha seu preço administrado e não seguia os valores do mercado internacional, que nem entrava na sua formação de preço. Na maior parte do tempo, não havia correlação alguma entre o preço do açúcar negociado no mercado futuro de NY e o preço do hidratado negociado no Brasil, pois eram mercados que tinham – em função da interferência dos governos da época – preços desalinhados.
De 2016 para cá, por iniciativa do governo Temer e do então presidente da Petrobras por ele nomeado,Pedro Parente, e das melhores práticas de governança e conformidade introduzidas na empresa, o preço do combustível passou a seguir o mercado internacional. As usinas podem não se dar conta dessa importante transformação, mas essa política acertada fez com que os usineiros passassem a olhar não apenas as cotações do açúcar no mercado futuro de NY, mas também as variações no preço do petróleo e da gasolina no mercado internacional.
Embora o atual governo, que se despede no finaldeste mês, tenha tentado interferir no preço dos combustíveis por razões puramente eleitoreiras, é fato que a governança e os riscos de processos judiciais por parte dos acionistas no exterior, coibiram – ou pelo menos atenuaram – essa nociva prática.
Portanto, tínhamos um modelo há duas décadas que trazia certa segurança para o produtor e que satisfez por muito tempo aos seus objetivos, mas que hoje é incapaz de refletir o valor de mercado com todas as suas nuances e complexidades. Pode-se questionar o porquê de mudar um modelo que tem funcionado.
Em nossa visão, o atual sistema carrega distorções irreconciliáveis que transformam um modelo que deveria propiciar o melhor retorno possível para produtores e usinas num inibidor da maximização desse retorno. Explico a seguir.
As usinas acreditam, por exemplo, que não precisam fixar os açúcares provenientes da cana de terceiros, pois elas possuem o hedge natural, um conceito distorcido que merece ser discutido de maneira mais aprofundada. Ora, como a cana representa aproximadamente 65% do custo do açúcar, em tese 1/3 do preço e função de outros fatores não-cana, ou seja, pelo menos esse 1/3 deveria ser fixado (quando a usina entenda que o preço está remunerador).
Um novo modelo precisa ser criado para trazer mais transparência ao fornecedor e à usina acerca do preço a ser pago pela cana. Analisando os dados do Consecana publicados mensalmente e das cotações médias mensais de NY convertidas diariamente pela taxa do dólar fornecida pelo Banco Central, em dados analisados de 2015 para cá, encontramos uma ótima correlação entre os dois, com aderência superior a 95%.
Evidentemente que a complexidade do setor exige uma sintonia fina do modelo eventualmente a ser criado, mas se admitirmos que essa correlação se sustente seria extremamente benéfico usar um modelo que diariamente tanto a usina quanto o fornecedor possam fixar seu produto (os fornecedores) ou sua matéria-prima (caso das usinas).
Um novo modelo mais dinâmico permitiria às usinas e aos fornecedores maximizarem seus retornos. Em 2016, por exemplo, me deparei com uma situação de uma usina que queria fixar seu açúcar de exportação quando a cotação chegava próximo a 24 centavos de dólar por libra-peso, mas um percentual elevado de sua cana era de terceiros, portanto ela desistiu. Alguns meses depois NY colapsou para 15 centavos de dólar por libra-peso. Perderam os dois: a usina e o fornecedor. Algo ao redor de 600 reais por tonelada na época. O modelo atual propicia muito mais situações de perde-perde, ou ganha-perde do que ganha-ganha, que deveria ser o objetivo do setor para uma expansão sustentável e lucrativa.