Para aqueles que operam no universo das soft commodities, denominado assim o segmento que engloba açúcar, café, cacau, suco de laranja e algodão, é crucial manter os exames cardiológicos em dia, pois as emoções que permeiam esse mercado não são destinadas aos corações frágeis. Quem esteve atento ao desempenho recente do cacau negociado na Bolsa de Nova York certamente se surpreendeu com a volatilidade e os bruscos movimentos que têm marcado o cenário.
Atingido por uma redução na produção na África Ocidental, responsável por praticamente dois terços da oferta mundial, o cacau viu-se envolto em uma montanha-russa de volatilidade. Após romper a marca dos 6.000 dólares por tonelada no início de março, a commodity disparou em valor, quase dobrando seu preço no espaço de 45 dias, chegando próximo aos 12.000 dólares por tonelada, apenas para despencar para os 7.000 dólares por tonelada em duas semanas. A Bolsa implementou os mecanismos necessários para conter qualquer pânico no mercado, no entanto, a volatilidade persistiu, continuando a influenciar os preços até que a situação se estabilizasse.
Com o café, a história foi semelhante. Após quase dois meses negociando dentro de uma faixa estreita de 180 a 190 centavos de dólar por libra-peso durante fevereiro e março, o café subiu impressionantes 5500 pontos, atingindo a marca de 245 centavos de dólar por libra-peso em apenas 15 dias, apenas para sofrer uma queda de mais de 18% e encerrar a semana próxima aos 200 centavos de dólar por libra-peso.
O açúcar não ficou para trás, embora tenha mostrado um desempenho um pouco mais estável em comparação com seus pares. Após alcançar os 23 centavos de dólar por libra-peso no início de abril, apesar do otimismo de algumas tradings que previam um avanço rápido em direção aos 25 centavos, o açúcar acabou sofrendo uma queda de pouco mais de 16% desde o início de abril até o fechamento desta sexta-feira, registrando 19.32 centavos de dólar por libra-peso para o vencimento de julho de 2024, agora o primeiro mês de negociação. Essa queda de quase 400 pontos em um mês gerou grande preocupação para as usinas que ainda aguardavam preços mais favoráveis para fixar o percentual remanescente de seus açúcares para exportação na safra 2024/2025.
As três commodities mencionadas podem estar interligadas dentro do portfólio dos fundos, que podem ter migrado de uma posição vencedora (como estarem comprados em cacau, por exemplo) para abrir novas posições. No caso do açúcar, conforme esperado, os fundos aumentaram suas vendas, como indicado pelo relatório COT (Commitment Of Trades), divulgado na sexta-feira pela CFTC (Commodity Futures Trading Commission), uma agência governamental independente dos Estados Unidos responsável pela regulação dos mercados de futuros e opções de commodities. Com base na posição da terça-feira passada, os fundos estavam vendidos em um total de 48.407 lotes, contribuindo para pressionar ainda mais o mercado para baixo.
Bem, parece que as previsões sombrias se concretizaram. Lembra quando mencionamos que o pior cenário para o mercado futuro de açúcar em NY seria exatamente os fundos entrarem vendidos? Parece que nossos temores se tornaram realidade. Afinal, a compra dos consumidores industriais não tem o poder mágico de salvar o mercado quando os fundos decidem se pôr no lado da venda. E, para adicionar uma pitada de ironia, a entrega volumosa de 1.7 milhão de toneladas de açúcar na expiração do contrato futuro de maio na última terça-feira foi praticamente um “show de horrores” que não ajudou em absolutamente nada.
Uma entrega de açúcar pode parecer um pouco complexa à primeira vista, especialmente para quem está começando no mercado. Basicamente, o açúcar oferece oportunidades de negociação em spreads, que são diferenças entre os preços de dois contratos de futuros. Por exemplo, um trader pode vender açúcar no contrato atual e comprar no próximo contrato a um preço mais baixo, lucrando com a diferença entre os dois contratos.
Essa estratégia pode ser lucrativa, mas também implica que o vendedor do spread tenha que entregar fisicamente o açúcar no contrato atual e recomprá-lo no contrato seguinte. Isso é feito para aproveitar as vantagens financeiras que o mercado oferece ao carregar o açúcar para o próximo vencimento.
No entanto, quando uma entrega de açúcar em grande volume ocorre, isso pode indicar que não havia um comprador melhor para o açúcar naquele momento. Isso reflete a fraqueza do mercado, pois mostra que não havia demanda suficiente para absorver o açúcar disponível, o que pode impactar negativamente os preços. Em resumo, é um jogo interessante que requer um equilíbrio inteligente entre logística e gestão do livro de negociações, mas também pode ser um sinal de problemas quando ocorre em grandes volumes.
Ah, o Sugar Dinner em Nova York! Um evento aguardado por muitos, onde os participantes se reúnem para discutir o futuro do mercado. Bem, parece que este ano o clima será um tanto diferente do anterior. No ano passado, era como se estivéssemos em uma daquelas situações em que todos estavam magicamente otimistas e qualquer menção à queda de preços era tratada como uma blasfêmia. Falar em mercado em baixa era quase como cometer um crime grave!
Mas agora, quem sabe? Será que teremos uma mudança de tom? Afinal, sempre existe o perigo de se tornar baixista na baixa. Parece que a lição do otimismo desenfreado do ano passado pode estar chegando à tona. Vamos ver como essa semana se desenrola. Será que teremos uma nova perspectiva ou apenas mais do mesmo?
É certo que a perspectiva dos números de safra e moagem ainda são melhores do que se estimava. Consensualmente, 605-610 milhões de toneladas de cana parecem dar o tom. Não vai faltar açúcar. Usinas estão bem fixadas, o que de certo modo tira qualquer pressão vendedora que pudesse competir com a venda dos fundos. Qualquer mudança nos fundamentos que restrinja a disponibilidade de açúcar deixa a posição vendida dos fundos tão vulnerável quanto um castelo de cartas num dia de ventania. Se você esperava um ano mais calmo no açúcar, melhor pensar de novo.
Segundo nosso analista Marcelo Moreira, após entrega física de 1.7 milhão de toneladas o mercado continua procurando “descontar preço” para atrair novos compradores. O julho/24 continua pressionado com primeiro suporte importante a 18.73 centavos de dólar por libra-peso. Perdendo essa região o próximo suporte relevante apenas a 17.58 centavos de dólar por libra-peso. Próximas resistências estão em 19.63/21.23/21.86 e 23.73 centavos de dólar por libra-peso.