Faz mais de 50 anos que a famosa escritora inglesa Agatha Christie publicou seu penúltimo livro cujo título eu me apropriei acima. Quem já leu qualquer um dos seus saborosos romances policiais – todos envolvidos de mistério, suspense e assassinatos aparentemente insolúveis – se deliciou com a astúcia de seus emblemáticos personagens como o detetive belga Hercule Poirot e a idosa detetive amadora Miss Maple. Os Elefantes Não Esquecem, último livro em que Poirot aparece, foi publicado em 1972, quatro anos antes da morte da escritora. Meu favorito e mais surpreendente foi O Assassinato de Roger Ackroyd, em que você só descobre o assassino praticamente na última página.
Se você, estimada leitora e caro leitor, chegou até aqui, deve estar se perguntando o que será que os elefantes tem a ver com o mercado de açúcar. Pois é, a mente desse pobre escriba às vezes trilha por caminhos que até mesmo eu duvido. Mas, acho que somos todos meio assim, que os pensamentos vão se desencadeando e uma coisa que parece não ter a menor relação acaba trazendo outra coisa e vai puxando uma linha de pensamento e quando você percebe, já encerrou o segundo parágrafo.
A lógica que me veio desse pensamento estapafúrdio foi isso mesmo. É provado que os elefantes tem o maior cérebro entre os mamíferos e que também possuem uma memória inacreditável. Eles podem ficar durante anos sem ter qualquer contato com um determinado elefante com o qual já tinham alguma vez se relacionado – e, ainda assim, vão recordar-se do colega! Apesar de grandes, são menos letais. Anualmente os elefantes são responsáveis pela morte de 450-500 humanos, enquanto o pequeninho mosquito mata 700.000 humanos por ano. Mas, chega de prolegômenos e vamos ao que interessa.
Cerca de 30.000 elefantes vivem na Índia. E eu fiquei cá me perguntando se algum desses paquidermes que habitam aquele simpático país lembra quando os dirigentes das principais entidades ligadas ao mercado de açúcar juravam de pés juntos que a Índia, na safra 21/22, exportaria no máximo 6.3 milhões de toneladas de açúcar? Nós nos esquecemos, mas eles jamais se esqueceriam.
Naquele período (outubro de 2021 até setembro de 2022) os indianos despejaram no mercado internacional – segundo números do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) – 11.9 milhões de toneladas de açúcar, 90% acima das estimativas de seus dirigentes. Não há nada de errado nisso. Estão certos eles, se dá lucro tem que vender mesmo. Ingênuo de quem acredita.
Havia bons motivos para isso, é claro. Como a pandemia afetou o consumo daquele país (e do planeta todo), além do impedimento de festas como o Ramadã (a Índia tem entre 180-200 milhões de muçulmanos) e das celebrações de núpcias (que, como no Brasil, ocorrem em grande parte no mês de maio), formou-se um imenso estoque na Índia que foi reduzido em pelo menos 3 milhões de toneladas de açúcar durante esse período. Ou seja, os indianos fizeram o que tinham de fazer.
Só para não esquecer, como bem fazem os elefantes, naquela ocasião, acreditando que a Índia iria cumprir o que prometeu, ou seja, limitar suas exportações em 6.3 milhões de toneladas, o preço médio registrado em NY nos primeiros seis meses da safra indiana (de outubro de 2021 até março de 2022) foi de 19.05 centavos de dólar por libra-peso, 350 pontos acima do mesmo período da safra anterior. Quando o mercado percebeu a avalanche de açúcar que eles estavam movimentando, os preços se acomodaram nos meses seguintes.
Quando o mercado beliscou os 22 centavos de dólar por libra-peso, ainda recentemente, após ter ido às alturas graças muito mais às compras maciças dos fundos especulativos do que das verdades absolutas e narrativas fantasiosas, o GOI (governo da Índia, na sigla em inglês) se antecipou e disse que a Índia iria suspender as exportações de açúcar. Como a Índia terá eleições geral em abril/maio de 2024, é normal que os políticos falem aquilo que seus eleitores querem ouvir e – não nos esqueçamos – cerca de 50 milhões de pessoas (e eleitores) dependem da cana-de-açúcar no país, entre fornecedores e suas famílias.
Nesta semana, novamente, a Índia ameaçou banir as exportações de açúcar a partir de setembro/23 e o mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana com o vencimento outubro/23 cotado a 24.89 centavos de dólar por libra-peso, uma espetacular alta de 113 pontos na semana (quase 25 dólares por tonelada). Os demais vencimentos tiveram apreciação entre 116 pontos (o mais curto) até 18 pontos (o mais longo), claramente uma adequação dos livros das tradings via spread. A curva de preços sobe no curto muito mais do que no longo.
Pelo fechamento, o desconto dos meses de negociação em NY correspondentes à safra 25/26 do Centro-Sul sobe para 117 dólares por tonelada. Ou seja, na média a safra 25/26 está 117 dólares por tonelada mais barata que a médias dos dois meses que ainda permanecem da 23/24 (outubro/23 e março/24).
A alta do mercado na semana teve a ajuda dos consumidores industriais que não querem “pagar para ver” se o mercado vai se acomodar e entraram fixando seus açúcares para suas necessidades imediatas. Ao nosso ver, essa história de banimento da Índia não vai ficar de pé e os preços vão refletir o tamanho da disponibilidade de açúcar do Centro-Sul que se desenha no horizonte, com Índia ou sem ela. Só mesmo o clima pode mudar toda essa visão, mas – como dissemos na semana passada – por enquanto esse quadro não está delineado.
Nossa posição continua menos otimista do que a maioria dos nossos leitores e acreditamos que vamos ver novamente (como dissemos aqui há algumas semanas) o açúcar negociando a 22 centavos de dólar por libra-peso antes do Papai Noel entrar pela chaminé. Única ressalva: o clima!
Um spoiler: o livro mencionado no titulo não se trata de uma história de elefantes.