O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana cotado a 18.18 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 8x pontos em relação à semana anterior. Combinada com a valorização do real frente ao dólar, que encerrou a R$ 5,1400 a queda do açúcar na semana atingiu 58 reais por tonelada no março e, na média da safra 22/23, retraiu R$ 52 por tonelada.
Em novembro/21, a curva de preços do mercado futuro de açúcar em NY mostrava um desconto que ultrapassou algumas vezes os 10% ao ano. Ou seja, analisando os diversos vencimentos em aberto, os mais curtos apresentavam forte valorização sobre os vencimentos mais longos. Essa é uma curva típica nas situações de mercado em que há uma incontestável falta do produto ou a percepção dela.
Os mercados de commodities tendem a se ajustar após um estresse provocado por falta ou excesso de produto. Quando existe falta do produto, os participantes do mercado se apressam a ajustar suas posições objetivando “empurrar” essa escassez adiante por meio dos spreads comprando os contratos futuros com vencimentos mais curtos (onde acreditam que a falta ocorrerá) e vendendo os contratos futuros com vencimento mais longo (pois acreditam que o tempo vai “curar” esse aperto momentâneo de oferta).
Quando ocorre o excesso de oferta ou a perspectiva de um mercado sem estresse na disponibilidade do produto, esses mesmos participantes se apressam a “empurrar” adiante qualquer necessidade de compra. E o fazem também por meio dos spreads, vendendo os contratos futuros com vencimentos mais curtos (pois acreditam que tem muito produto disponível) e compram os contratos futuros com vencimento mais longo (pois acreditam que o tempo vai “curar” esse excesso de oferta). É sempre assim que funciona.
É por essa razão, que muitas vezes mencionamos aqui nesse espaço que os spreads negociados nos mercados futuros são a manifestação expressa do sentimento dos participantes do mercado físico acerca da percepção que eles têm quanto a disponibilidade do produto.
A curva dos preços futuros pode ser afetada do mesmo modo por distorções entre a taxa de juros internas e externas. Quanto maior a diferença entre elas maior será a correção do câmbio negociado no mercado à vista valorizado no vencimento futuro. Dessa forma, recebendo mais unidades da moeda local em relação ao dólar ao longo dessa curva, mais predisposto estará o vendedor a pressionar a curva da commodity em dólares.
Hoje, a curva de preços em NY tem um componente exógeno que afeta o ângulo dessa curva, tornando-a mais íngreme, que é a taxa de juros do Banco Central do Brasil. A cada 1% de variação na taxa de juros brasileiras, a curva de preços em NY sofre um desconto aproximado de 10 pontos para doze meses e 25 para vinte e quatro meses. Mesmo que a taxa de juros fosse zero, a curva de NY ainda estaria ligeiramente invertida. E esse é o ponto que eu gostaria de chamar a atenção.
O mercado de açúcar encara dois cenários distintos. No curto prazo, leia-se a safra 22/23 do Centro-Sul (de abril/22 a março/23) ele se apresenta neutro para baixista. Parece que todos os elementos dos fundamentos do açúcar já estão dados e incorporados no preço. Perspectiva de safra melhor (a média de vinte consultorias está em torno de 554 milhões de toneladas de cana), melhor produção na Tailândia, Índia, Paquistão, México e Guatemala são suficientes para atender eventual demanda adicional. O mercado físico de exportação está anêmico e o mercado interno de açúcar experimenta sobras de estoque, diminuição no ritmo do consumo das indústrias e clara tendência destas em adiarem compras e formação de estoques estratégicos.
O custo de produção de açúcar (custo caixa) no Centro-Sul é bem abaixo de seus pares e, apesar de ter sofrido um salto considerável neste ano, com aumento real de 32%, ainda assim permite que o mercado eventualmente busque 16 centavos de dólar por libra-peso. E todos sabemos que mercados exageram na alta e na baixa.
No longo prazo, ou seja, da safra 23/24 em diante, qualquer aposta de preços mais baixos pode ser um tiro no pé. Os preços futuros da 23/24 estão em média 4% mais baratos que os preços da 22/23. Aí temos a curva do NDF (contrato à termo de dólar com liquidação financeira) promovendo esse desconto. No entanto, e esse ponto é muito importante, a oferta de cana do Centro-Sul ainda vai sofrer instabilidades que podem ter enorme consequência na disponibilidade do produto a partir daquela safra.
Vejam bem: estamos praticamente produzindo a mesma quantidade de ATR desde a safra 2008/2009. Soja e milho tiveram enorme perdas com os problemas climáticos enfrentados pelo Brasil nos últimos meses e continuam com preços extremamente remuneradores para seus produtores. Muitos produtores de cana estão migrando para grãos em busca de melhor remuneração. Usinas do Centro-Sul já indicam que perderam de 1.5 a 4% de cana em função dessa migração.
Nada é definitivo em commodities. E não estamos livres de eventos exógenos que podem afetar o raciocínio acima. Por exemplo, uma recuperação mais vigorosa das economias globais, o consumo de combustível no hemisfério norte no verão deste ano, o atraso no início da safra do Centro-Sul, uma crise geopolítica provocada pela Rússia, apenas para mencionar alguns.
Os fundos estão liquidando suas posições compradas. Os spreads julho/outubro e outubro/março estão em ligeiro carrego de 4% e 5%, respectivamente. O que vai acontecer com o contrato de maio quando o março expirar no final deste mês? Vai ficar no carrego também? E os fundos entrariam vendidos, como sempre fazem em mercados em carrego? E se o real continuar se valorizando em relação ao dólar? As usinas que não fixaram a R$ 2,400 por tonelada vão fixar a qualquer preço, arrependidas?
Por último, mas não menos importante, como disse um experiente trader: quem vai receber açúcar na expiração do contrato março numa curva invertida com demanda insipiente? Não temos nunca um momento de tédio.