O contrato futuro de açúcar em NY com vencimento outubro/23 finalizou nesta sexta-feira com a maior entrega física da história do contrato: 56.473 lotes correspondentes a 2.87 milhões de toneladas de açúcar. O outubro/23 encerrou seu ciclo saindo da pedra cotado a 26.24 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 73 pontos acumulada na semana, equivalentes a 16 dólares por tonelada.
O próximo vencimento, março/24, fechou a sexta-feira cotado a 26.51 centavos de dólar por libra-peso, apresentando uma queda acumulada de 77 pontos em comparação com semana anterior, equivalentes 17 dólares por tonelada.
Uma entrega dessa magnitude tem todos os componentes baixistas que os livros acadêmicos enumeram quando se trata de o vendedor de uma commodity encontrar como último refúgio a entrega física dela contra uma posição vendida em bolsa. Ele só faz isso porque – em tese – não encontrou um comprador que pagasse melhor ou, como pode ser em alguns casos, não dispõe da mercadoria nesse momento e conta com a lerdeza do comprador (aquele que vai receber o seu produto via bolsa) nomear o navio. Por que ele faz isso?
Como vocês se recordam, o spread outubro/23 – março/24 chegou a negociar por um bom tempo, durante o mês de maio, com 45 pontos de prêmio, ou seja, o outubro valia 10 dólares por tonelada a mais do que o março/24. Agora, no final, chegou a negociar com desconto 30-35 pontos. Uma trading competente está sempre de olho nos spreads buscando discrepâncias entre a visão que ela tem do mercado físico e aquilo que está sendo negociado no futuro. Aproveitar essas distorções faz parte do dia a dia da trading.
Hipoteticamente, se você sentia lá em maio que o Centro-Sul ia ter uma safra de cana poderosa contrariando o que mostrava o spread em NY, o que você faz? Vende o spread e espera ver se sua percepção de que a safra do Centro-Sul ia ser fenomenal se confirmava. Em caso positivo, você vai com a ponta vendida (outubro/23) até o final e entrega o açúcar físico. Em outras palavras, mesmo que você não tenha o açúcar para entregar imediatamente, você ficou no bolso com aproximadamente 16 dólares por tonelada – a diferença entre os spreads – para atender eventuais custos de demurrage (pelo atraso no carregamento do navio) caso o comprador nomeie o navio numa velocidade maior do que você será capaz de mover o produto até o porto.
Independentemente de como o quadro vai se delinear ao longo das próximas semanas, o fato é que o entregador do açúcar optou por essa operação exatamente porque não tinha destino e/ou não encontrou quem lhe pagasse um prêmio melhor. Portanto, uma entrega desse volume dificilmente passará impune pelo mercado.
O que sustenta o mercado nos níveis atuais, no entanto, ainda é o que os fundos podem fazer. Mas, alguns componentes novos entram para trazer mais emoção: os fundos liquidaram 11,641 lotes na semana, mas ainda possuem 187,000 lotes comprados, embora o desempenho do mercado nos últimos dias indica que eles liquidaram um pouco mais.
Outro componente será a narrativa acerca de quão rápida as nomeações ocorrerão. Mas, quando uma situação como essa se apresenta, o reflexo imediato é no basis, ou seja, quanto o açúcar disponível para embarque imediato vai negociar de prêmio, caso o vendedor não tenha o produto. Não vai refletir em NY.
A salvação dos altistas depende da Índia, muito embora as perspectivas para a produção de açúcar do país melhoraram após boas chuvas neste mês, segundo o próprio o Secretário de Alimentação, Sanjeev Chopra. Para desespero dos altistas, ele ainda declarou, em um evento em Nova Delhi, que “a Índia não está enfrentando nenhum déficit de açúcar”.
Confessou-me um respeitado trader do mercado que ele estava deveras confuso com as coisas que estavam acontecendo. A entrega o deixou atordoado. Eu inqueri o porquê desse espanto. Ele então me disse que há algumas semanas participou de um seminário patrocinado por uma trading e que uma nuvem altista pairava sobre o evento que mostrava pelas palestras proferidas que NY caminhava inexoravelmente para os 30 centavos de dólar por libra-peso. Eu argumentei que “tudo bem, cada um tem o direito de ter a opinião que quiser sobre qualquer assunto”. “Pois é, mas eles entregaram açúcar na bolsa e eu estou me sentindo um palhaço”. Eu respondi, “relaxa, cara. São coisas da vida”, no exato momento em que eu percebia que timidamente ele escondia no bolso da calça um nariz vermelho de látex.