Vivemos em 2020 um ano totalmente “atípico”… que interferiu profundamente na vida de milhares de famílias. Foi neste ano tão extremo, que talvez pela primeira vez na história, a humanidade tenha testemunhado o fechamento de todas as economias do planeta ao mesmo tempo, colapsando o cotidiano numa velocidade jamais vista, dado às terríveis dúvidas que assolavam o futuro da nossa sociedade.
No entanto, o que se observa neste exato momento, é uma previsão do restabelecimento da 'antiga' normalidade (ou algo próximo à ela) no curto / médio prazo, vide a recuperação surpreendente dos índices acionários (que em teoria tentam antecipar a direção das economias), que inclusive em boa parte, trabalham agora acima ou próximo dos seus respectivos topos históricos pré-pandemia.
Bem, existem alguns motivos para isso (para a valorização destes índices):
(a) Primeiramente, como mencionado, os mercados precificam que a vida voltará ao mais próximo do normal no momento em que observarmos uma vacinação em massa contra o coronavírus, o que ‘estimam’ acontecer até meados de 2021. Essa ‘normalidade’ pode em teoria se traduzir em uma recuperação econômica mais acelerada, mais vigorosa, e melhorar por consequência, a geração do fluxo de caixa das empresas, e de todas as demais variáveis que andam em conjunto com essas questões.
(b) A redução das taxas de juros em todo mundo geram dois impactos diferentes e de direção convergente:
- Por sí só, como componente importante da precificação de ativos, quanto menor a taxa de juros ‘livre de risco’, maior tende a ser o valor presente de um ativo (como por exemplo, dos fluxos de caixa mencionados acima), ou seja, uma explicação técnica e isolada para a valorização das ações em termos gerais.
- O outro impacto, fica por conta da lei de oferta e demanda… com taxas de juros reais negativas por todos os lados, e com um horizonte mais ‘límpido’ com relação ao futuro, naturalmente boa parte do capital disponível do mundo é redirecionado / realocado para ativos mais arriscados (como das ações), em busca de retornos mais atratíveis para o investidor.
Dentro desta explicação simplificada e resumida,o cenário de 'dias melhores' parece fazer sentido e estar bem próximo, caso nada dê errado...
Antes de falarmos sobre alguns riscos inerentes à esse panorama, o quadro abaixo resume como fechamos o ano de 2020 em relação à curva de contágio e óbitos pela covid-19.
É importante ressaltar, que uma das primeiras regiões a autorizarem o uso emergencial de uma das vacinas contra esta pandemia, enfrenta seu pior momento em termos de contágio (com o surgimento de uma nova cepa), conforme observamos no gráfico abaixo.
Existem uma série de riscos que podem produzir um horizonte um 'pouco' diferente do que espera-se para o futuro. Dentre eles, vale a pena destacar:
(i) Nos próximos meses teremos em teoria a comprovação se as vacinas terão a capacidade de reduzir a atual curva de contágio e de óbitos, como fortemente desejamos. Uma resposta ‘insuficiente’ poderá trazer a tona novamente questões sobre o futuro das economias e de todas as variáveis que a acompanham. Nesse contexto é importante mencionar a expressiva perda de postos de trabalho e de pedidos de falência ao longo de 2020, principalmente em uma diversidade de setores que ainda lutam para se reerguer.
Os gráficos a seguir mostram respectivamente a evolução dos pedidos iniciais por seguro desemprego nos EUA (que ainda opera muito acima do que costumava), e a taxa de desemprego aqui no Brasil (que pode subir, com o provável aumento pela busca por novas oportunidades de trabalho – caso o governo não estenda o ‘corona voucher’, como vem afirmando).
(ii) Diversos bancos centrais já deixaram de forma clara que as taxas de juros baixas vieram para ficar, e por tempo ‘indeterminado’, o que de fato é um mecanismo poderoso para a expansão / recuperação das economias. Mas o que poder fazer essa dinâmica ficar relativamente pressionada?
A sombra da inflação talvez seja a variável mais óbvia e mais temida. O descontrole de preços por sí só impacta o poder de consumo da população, já que se torna impossível adquirir a mesma quantidade de ítens com a mesma quantidade de dinheiro. O fato é que o aumento inflação já é sentida em diversos segmentos, e algumas questões ainda transitam num território relativamente cinza:
- Poderemos atravessar apenas um momento pontual de aumento da curva da inflação? Ou seja, o atual hiato do produto e o presente nível de desemprego são suficientes para embasar essa tese?
- Como os índices inflacionários se comportarão a partir do momento em que o consumo das famílias se realinhe novamente com a cesta no qual estes foram desenhados (dado que o perfil de consumo das famílias se alterou durante a pandemia)?
Oa gráficos a seguir demonstram a evolução dos preços de um conjunto de commodities que impactam diretamente os preços de produção e consumo de uma grande gama de bens, e do IGP-M aqui no Brasil (embora o índice oficial de inflação do país seja o IPCA).
Ainda sobre uma possível alta da inflação, se essa vier a acontecer, poderemos experimentar alguns dilemas em torno das ferramentas de combate à esse possível ambiente.
- Como aplicar medidas contracionistas, ou seja, de aumento de taxas de juros, em economias que necessitam mais do que nunca de estímulos para se recuperarem?
- Como reduzir impostos em governos que perderam arrecadação, e aumentaram ainda mais as suas dívidas nesse último ano que passou (dado que muitos já concederam uma série de reduções desse tipo pré-pandemia)?
O gráfico a seguir demonstra a evolução da relação da dívida com à riqueza gerada (PIB) pelo planeta nas duas últimas décadas.
Claro que existem diversas outras variáveis que são fundamentais para a construção de diferentes cenários, tanto de cunho doméstico, como reformas e privatizações, quanto outras de escopo global, como a continuidade da concessão de estímulos fiscais etc.
Mas a intenção aqui é fundamentalmente dizer que sim... que a 'previsão do tempo é de dias mais azuis e ensolarados, mas com possíveis tempestades de duração indesejável ao longo do caminho'.