As vezes é bom ser um estranho no ninho quando o assunto é investimentos
Se você nasceu fora de São Paulo ou do Rio de Janeiro e quer trabalhar com análise ou gestão investimentos, em empresas de ponta, saiba que muito provavelmente você terá de se mudar. Você pode até ter uma educação suficiente para ser excelente analista de investimentos fora destes estados, mas muito provavelmente migrará para as proximidades da Faria Lima, onde quase todas as melhores empresas para se trabalhar neste ramo estão.
Minha mudança para São Paulo me atentou para um fenômeno engraçado no mercado financeiro – o viés geográfico na escolha das ações.
Você já deve ter ouvido sobre vieses. Nenhum de nós é neutro, todos temos nossas preferências e crenças pessoais que - infelizmente, para um analista de investimentos - vão influenciar nossa forma de avaliar as empresas e fazer recomendações...
Como para tudo no mercado financeiro, já existe um nome para isso, em inglês. O nome que se dá é “confirmation bias“, ou viés de confirmação. A explicação é mais ou menos essa: quando você já tem a sua escolha de investimento feita na sua cabeça, e aí você corre para que os números e os argumentos comprovem sua tese. Não é assim que deveria acontecer, mas às vezes somos traídos por nossas preferências pessoais.
O mais engraçado é que, tendo sido uma outsider geográfica nesse mercado de investimentos por muitos anos, uma vez que trabalhei 12 anos como analista de investimentos no Rio Grande do Sul, eu percebo que no mercado de ações existe um confirmation bias geográfico: existem as ações queridinhas do eixo Rio-SP.
Talvez porque usem coletinho, ou talvez porque compartilhem um sotaque com um R mais chiado… mas mais provavelmente porque os atores das decisões compartilham dos mesmos locais, reuniões e meio social e sempre fica mais fácil gostar daquilo que a gente conhece e nos parece muito familiar. Sabe como é, se fulano investe em X e eu confio em fulano, fica mais fácil para mim investir em X também.
Quem trabalha no mercado vai reconhecer no meu texto a clara preferência por alguns papeis de algumas assets do Rio de Janeiro e de São Paulo, cada uma com seu perfil bem específico, mas existem as ações queridinhas de cada local, quase sempre presentes nas indicações e fundos.
O fato é que, para além do eixo, existe um Brasil de oportunidades em investimentos, cada vez mais chegando às nossas listas de empresas para analisar, com o numero crescente de IPOs que tivemos em 2020.
Eu poderia citar muitas empresas realmente excelentes e líderes no seu segmento de atuação e de que gosto muito do meu berço de origem, o sul do Brasil, como Marcopolo (SA:POMO4), Randon (SA:RAPT4), Grendene (SA:GRND3), Lojas Renner (SA:LREN3) e a última que tem ocupado muito meus dias de analista ultimamente, a Quero-Quero (SA:LJQQ3) – como você pode ver, eu também posso ser influenciada pelo 'geographic bias'.
Não sei se vocês sabem, mas o famoso mega investidor Warren Buffet, conhecido como mago de Omaha, morava fora do centro financeiro dos EUA, e assim preferiu ficar, pois via nisso uma certa vantagem em termos de isonomia de opinião e uma fuga da influência das opiniões consenso de Wall Street.
É óbvio que com ele eu tenho de concordar. Se você quiser buscar ativos underpriced, minha recomendação é: saia do centro das decisões e de onde todos estão olhando – e comprando – e usufrua o desconto do desconhecimento, fugindo do viés geográfico. Provavelmente nos lugares menos lembrados é que você encontrará as ações com maior potencial de valorização.