Há pouco menos de um ano, em 19 de agosto de 2021, escrevi neste mesmo espaço sobre o conceito de risco fiscal.
Em artigo intitulado “Risco Fiscal: um Fantasminha Nada Camarada na Vida de Gente como a Gente”, comparei as contas públicas com o orçamento de uma família que, quanto mais se endividasse, maiores juros teria que enfrentar. Afinal, quem emprestaria sem cobrar maiores retornos a uma família já atolada em dívidas, com o risco de nunca ver o dinheiro de volta?
Assim, concluí há um ano: podemos dizer que o risco fiscal é o risco envolvido nessa transação entre financiadores do governo e o governo. Desse modo, se investidores acham que o governo brasileiro é um bom pagador, o risco é menor. Do contrário, o risco é maior. E quanto maior o risco, mais descontados os ativos brasileiros: tipo nossa moeda, nossas ações, ou os próprios títulos do governo.
Cá estamos, quase um ano depois, e o fantasma camarada volta a nos assombrar.
A aprovação da PEC dos Benefícios Sociais
Como tudo na economia, não há apenas um motivo por trás de movimentos como a piora do risco fiscal. E sim, uma combinação de fatores, que geralmente culmina na mudança de percepção de investidores após um evento visto como “a ponta do iceberg”.
Dessa vez, o bloco de gelo veio em forma da aprovação da PEC 123/2022 - mais conhecida como PEC dos Benefícios - aprovada no Congresso no acender das luzes do período eleitoral. A medida modificou partes da nossa Constituição para permitir o pagamento de maiores benefícios sociais até o fim do ano, como apoio a famílias e trabalhadores diante da alta acelerada da inflação, especialmente em alimentos e combustíveis.
O pacote incluiu, entre as principais medidas, o aumento em R$ 200 no valor do benefício e a expansão de famílias atendidas pelo programa Auxílio Brasil (a última medida aprovada como permanente), o aumento do auxílio gás, e a criação de um auxílio para caminhoneiros e taxistas. O custo de tudo? Pouco mais de R$ 40 bilhões.
Mas, se bens e serviços estão cada vez mais caros frente aos salários, famílias estão em dificuldade, e o governo está arrecadando mais do que o esperado com tributos: por que o alvoroço? Por que a alta do dólar, a queda da bolsa, os juros futuros subindo?
Em suma, por que a piora do risco fiscal, se as medidas parecem necessárias e capazes de caber no orçamento? A resposta rápida para essa pergunta é: porque não se trata do hoje. Se trata do amanhã.
A diferença entre a foto e o filme
De fato, ao olharmos para o estado das contas públicas brasileiras hoje, a foto que nos deparamos é relativamente positiva. Com a arrecadação tributária robusta - puxada pelo alto preço de commodities, bons resultados de empresas com a normalização da economia e pela retomada do mercado de trabalho - o governo acumula resultado primário positivo até agora, no ano. Ou seja, estamos com as contas no azul!
Porém, a maré positiva deve durar pouco, não só porque as contas devem voltar para o vermelho com os gastos adicionais aprovados para o ano (que somam mais de R$ 100 bilhões, considerando também redução de impostos), mas especialmente pelos riscos criados e sinalizações dadas por essas mudanças em relação ao futuro.
A principal medida aprovada na PEC dos benefícios, a elevação dos benefícios ao Auxílio Brasil, se mantida no próximo ano, não caberá dentro do limite do teto de gastos – regra criada para limitar os gastos e estabilizar a dívida pública.
Isso porque, somado às despesas obrigatórias que totalizam mais de 90% do orçamento federal, como elevadas emendas parlamentares, ele acaba se tornando, novamente, a ponta do iceberg – independentemente de sua justificável existência.
Deste modo, assim como uma família que descolou uma renda extra por um curto período dificilmente conseguiria juros baixos para suas dívidas se sinalizasse que voltaria a além da conta, a sinalização de que o país caminha para uma nova era de gastos em alta, em detrimento da sustentabilidade das contas públicas, também tem consequências – como o próprio aumento dos juros que financiam a nossa dívida.
Para ilustrar, os juros reais de longo prazo no Brasil (determinados por investidores no mercado de renda fixa) encontram-se no patamar mais elevado dos últimos 7 anos. Isso não significa apenas mudanças para o mercado financeiro, e sim crédito mais caro para famílias ao redor do país, especialmente para planos de longo prazo como financiamentos imobiliários e de automóveis.
Ou seja, muito longe da foto positiva, o filme fiscal brasileiro hoje projeta crescentes riscos, observados à lupa por investidores, e precificados em nossos ativos.