Vivemos tempos conturbados. Na Zona do Euro, a Grécia conseguiu chegar a um acordo com o Eurogrupo, obtendo 44 bilhões de euros para sanear seus bancos e financiar sua dívida pública, desde que adote o ajuste fiscal prometido. Mesmo assim, pairam dúvidas sobre a capacidade da Grécia de avançar nestes ajustes, com o desafio de reduzir a dívida de 190% do PIB a 124%; na Espanha, a Catalunha ameaça sair da federação e a possibilidade de socorro financeiro são fatos concretos; nos EUA, continua o imbróglio em torno do abismo fiscal, com democratas e republicanos endurecendo na negociação do ajuste fiscal, com destaque para a taxação sobre ricos, isenção para classe média e cortes nos programas de assistência social de Barack Obama, com o Medical Care.
Todos estes fatos somados, numa verdadeira “tempestade perfeita”, turvam o horizonte e impactam no crescimento global, não maior do que 3% neste ano e em 2013. Na Zona do Euro projeta-se um crescimento muito fraco, ou mesmo uma retração de até 0,5% ao fim deste ano e no próximo; nos EUA a expansão deve ficar entre 1,5% e 2,0% neste período, isto se o acordo sobre o abismo fiscal evoluir bem em dezembro; e na China, a estimativa é de “crescimento estabilizado” de 7,5% neste ano e nos próximos.
Por aqui, este cenário externo conturbado acaba cobrando seu preço. Claro que os desencontros de política econômica, como as intervenções pesadas em setores estratégicos da economia brasileira (energia elétrica, petróleo e bancos), merecem destaque, mas não dá para isolar o Brasil do resto do mundo. Nosso crescimento, por exemplo, no terceiro trimestre acabou fortemente impactado pela crise, com a retração externa.
Crescemos apenas 0,6% contra o trimestre anterior e 0,9% contra o mesmo trimestre do ano passado, mas chamou a atenção o fraco desempenho da Indústria e da Formação Bruta do Capital Fixo. Este último recuou 5,6% contra o mesmo trimestre do ano anterior, depois de recuar 3,7% no trimestre anterior. Isto demonstra uma postura cautelosa dos empresários, adiando seus investimentos, diante da crise externa e dos ruídos internos.
Visto isto tudo, as medidas anticíclicas do governo acabam inevitáveis. Como já dito neste espaço, o tripé de política econômica – câmbio flutuante, gestão fiscal responsável e sistema de metas -, criado na gestão Armínio Fraga em 1999 e aprofundado com Meirelles nos anos Lula, vem sendo paulatinamente abandonado diante do panorama de crise.
O governo vem tolerando o IPCA no teto superior do sistema de metas de inflação, em torno de 5,5%; no regime cambial vem ocorrendo uma administração estreita no sentido de depreciar o real para estimular as exportações de manufaturados, com a banda informal mais próxima de R$ 2,10; e no front fiscal, a meta cheia de 3,1% do PIB (R$ 139,8 bilhões) para este ano já é considerada “carta fora do baralho”. Façamos então uma breve análise sobre o desempenho fiscal, analisando o que aconteceu e o que vem sendo feito.
Neste ano, o desempenho até outubro indica um superávit primário de R$ 88,2 bilhões (2,42% do PIB), acumulando R$ 98,4 bilhões (2,25%) em 12 meses. Para chegar à meta de R$ 139,8 bilhões seriam necessários R$ 51,6 bilhões, o que não nos parece factível. Precisaríamos de superávits mensais de R$ 20,8 bilhões até fechar o ano. Nem o abatimento de R$ 25,6 bilhões de investimentos do PAC deve reverter este quadro.
Ao que parece, o governo já abandonou a meta cheia de superávit primário e começa a considerar a possibilidade de algo em torno de 2,4% a 2,5% do PIB ao fim deste ano. Na relação com a dívida líquida do setor público, este saldo primário parece suficiente, visto que as despesas com juros nominais vêm recuando, pela redução da taxa Selic desde agosto do ano passado. No ano estas recuaram a 4,89% do PIB, contra 5,79% no mesmo período de 2011.