A atividade pecuária, quando feita sem a adoção de práticas sustentáveis, tem sido historicamente associada ao desmatamento ilegal da Amazônia, à perda de biodiversidade e às mudanças climáticas. Os compromissos corporativos de desmatamento zero na cadeia da pecuária ainda necessitam de maior engajamento dos principais setores envolvidos. A criação e implementação de mecanismos para promover a transição para uma pecuária de baixo carbono beneficiarão todos os elos da cadeia. Os produtores rurais poderão rentabilizar suas atividades de forma sustentável, enquanto a indústria e o setor financeiro alcançarão suas metas de desmatamento zero. Juntos, esses esforços podem contribuir significativamente para a preservação da Amazônia.
Pensando no setor produtivo, um estudo da Global Canopy levantou que que 83% das empresas de carne bovina e couro não divulgaram compromissos para combater o desmatamento e a conversão de ecossistemas. Além disso, 91% das empresas de couro e 88% das de carne bovina não informaram o volume de produção livre de desmatamento.
Já no setor financeiro, iniciativas globais como a Net-Zero Banking Alliance, de 2021, impulsionam o compromisso dos bancos em apoiar a mudança para uma economia de baixo carbono e incentivam seus clientes a adotarem práticas de descarbonização. No Brasil, iniciativas voluntárias como o IFACC trazem um engajamento desse setor para o tema. No entanto, ainda temos muito que caminhar. Bancos brasileiros ainda apresentam baixa adesão a esses compromissos. Além disso, as exigências de responsabilidade social e ambiental dos órgãos reguladores como Banco Central do Brasil e CVM ainda não são suficientes para promover a transição.
Em 2023, o Estado do Pará lançou o Programa de Pecuária Sustentável, que inclui um sistema obrigatório de rastreabilidade individual do gado para aumentar a transparência e apoio à conformidade ambiental dos produtores rurais. Com o segundo maior rebanho bovino do Brasil, com cerca de 26 milhões de cabeças, o Pará pode se beneficiar em até US$ 1 bilhão de aumento da produção pecuária, segundo estudo da The Nature Conservancy (TNC) e Bain & Company. Esse valor seria capturado pelo aumento da demanda interna de carne, aumento das exportações, aumento da produtividade e pela redução da informalidade, e depende da adoção de mecanismos que acelerem a transição produtiva.
No estudo é proposta a criação de um sistema de bonificação para incentivar financeiramente a identificação individual de animais e permitir que o valor adicional de gado livre de desmatamento chegue aos pequenos produtores. Como referência, esse foi o mecanismo e incentivo que diversos países na Europa utilizaram para prevenir a disseminação da doença da vaca louca na década de 90, e restaurar a confiança dos consumidores na segurança da carne bovina.
Porém, um incentivo a adoção de rastreabilidade não é suficiente para a transformação produtiva. A capitalização dos produtores rurais também é essencial para o aumento de produtividade desejado para o Estado, por meio da necessária intensificação da pecuária, aliada à restauração de áreas degradadas. Hoje, a produtividade no Pará é de aproximadamente um animal por hectare, comparado a cinco animais por hectare em Santa Catarina, por exemplo, o que evidencia um potencial não só para a melhora de rentabilidade, como também viabiliza financeiramente a destinação de áreas degradadas para atividades de restauração.
A capitalização de produtores rurais no Pará, especialmente dos pequenos produtores, demanda abordar uma série de barreiras estruturais. É fundamental adaptar as linhas de crédito às realidades locais e necessidades específicas dos pequenos produtores, utilizando requisitos mais flexíveis e garantias adaptadas à realidade do campo, facilitando o acesso à assistência técnica, por exemplo, através de parcerias público-privadas.
Instituições financeiras podem tornar sua carteira sustentável ao apoiar, com serviços financeiros e empréstimos, a transição de produtores para a conformidade ambiental e comercial. Ao financiar produtores em processo de transição para atividades sustentáveis, os bancos podem reduzir significativamente a pegada de carbono de suas carteiras. Ganham também na redução de riscos associados às mudanças climáticas, melhoram a reputação e passar a mensurar o seu impacto positivo, fortalecendo o cumprimento regulatório atual e já se prevenindo para regulações futuras.
Mas estes não são os únicos elos da cadeia beneficiados com a transição sustentável. Para os frigoríficos, a carne de melhor qualidade e de maior peso, resultante de práticas mais eficientes e sustentáveis, melhora as margens de lucro e a eficiência operacional. A indústria do couro pode garantir a origem sustentável e ética de seus produtos, aumentando sua margem de lucro e competitividade. No setor de varejo, a rastreabilidade e a melhoria da qualidade da carne e do couro podem resultar em produtos de maior valor agregado, fortalecendo a fidelidade dos clientes e a reputação das marcas envolvidas. No setor de insumos agropecuários, a maior capitalização dos produtores rurais impulsiona a demanda por produtos de qualidade.
A transição para uma pecuária sustentável não é apenas necessária, mas benéfica para todos os elos da cadeia produtiva e viabiliza o cumprimento de compromissos corporativos. A produção sem desmatamento é viável para os produtores rurais, mas essa transição precisa ser impulsionada pelo setor privado, aproveitando as políticas públicas e regulamentações emergentes. Os mecanismos de transição são essenciais para promover essa mudança e, para serem eficazes, precisam ser criados de acordo com a realidade produtiva.