Não é novidade para ninguém que a economia vem enfrentando enormes dificuldades nesse primeiro semestre de 2019. Até mesmo os mais otimistas foram obrigados a realizar ajustes nas suas previsões macroeconômicas, após o fraco desempenho dos setores no primeiro trimestre – o PIB trimestral foi de -0,2%, comparado ao resultado anterior (4T18).
Nesse contexto, o governo está em alerta máximo para um cruel efeito colateral da tímida atividade econômica no ano. A Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada para 2019 previa um crescimento de +2,5% do PIB, baseando a arrecadação e despesas nesse número. Com a forte revisão do PIB, a arrecadação do governo ficou aquém do esperado, implicando em cortes nos gastos discricionários em detrimento dos obrigatórios.
As medidas de austeridade fiscal, contudo, não parecem resolver o grave problema de caixa que o governo enfrenta agora no meio do ano. Em outros tempos, o governo poderia emitir novos títulos de dívida para financiar os gastos correntes (gastos com manutenção da máquina pública) no curto prazo. No entanto, desde a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000, que regulamentou o artigo 167 da Constituição Federal de 1988 sobre o tema), o segundo parágrafo do artigo 12 é claro ao limitar o montante previsto para as receitas de operações de crédito ao limite das despesas de capital (despesas com investimentos) da Lei Orçamentária para o ano. É o que passou a ser chamado de ‘regra de ouro’. Uma medida racional, protetora dos gastos públicos, mas que virou uma dor de cabeça.
Em outras palavras, o governo não poderia arrecadar mais que R$ 33,6 bilhões (previsão de investimentos federais para 2019) por meio de receitas de capital. Acontece que as despesas estão previstas no Orçamento de 2019 para serem pagas, inclusive porque se referem a benefícios previdenciários, subsídios e até o Bolsa Família.
Para resumir, temos o seguinte imbróglio para o governo: com a situação de déficit primário, não há a possibilidade de obter dinheiro em caixa nos próximos meses para pagar as tais despesas. Ao mesmo tempo, não seria possível arrecadar empréstimos com emissão de dívidas porque o governo ultrapassaria a regra de ouro em R$ 146,7 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. Ao cabo, o presidente teria as seguintes opções: cancelar as despesas e agravar a crise econômica do país (uma espécie de shutdown do governo), ou mantê-las, estourar a margem da ‘regra de ouro’ e correr um risco de sofrer impeachment por crime de responsabilidade fiscal.
Existe, porém, uma exceção à regra que é definitivamente a melhor opção e já está sendo adotada pela equipe econômica. Na Lei 4.320/64, que versa sobre o controle dos orçamentos e balanços dos entes federativos, existe a previsão de créditos adicionais à Lei do Orçamento para algumas situações específicas.
São três tipos: créditos suplementares, destinados ao reforço da dotação orçamentária; os especiais, destinados para despesas em que não há dotação orçamentária específica; e extraordinários, destinados para despesas urgentes e imprevistas. Nesse caso, se aplica a utilização dos créditos suplementares. Eles podem ser arrecadados, entre outras formas, por meio "de operações de crédito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las".
Os créditos suplementares, no entanto, precisam ser autorizados por lei – basicamente, passar pelo Congresso Nacional. Por isso, o governo enviou um projeto de lei para a Comissão Mista do Orçamento (ou CMO – comissão responsável pelo tema), pedindo crédito suplementar no valor de R$ 248,9 bilhões.
Problema resolvido, certo? Mais ou menos. Em primeiro lugar, houve um desencontro entre as projeções sobre o valor necessário para cobrir os gastos até o fim do ano. O Tesouro Nacional falou em R$ 110,4 bi; o ministério da Economia, em R$146,7 bi. Os congressistas ficaram ressabiados e a confusão… gerou mais confusão. Paulo Guedes até chegou a dizer que o projeto havia "embananado". Perderam-se alguns dias até que o governo pudesse esclarecer o por quê dos R$ 248 bilhões solicitados: no cálculo, foi incluída uma quantia extra para evitar a eventual necessidade de pedir mais um crédito adicional ainda neste ano.
Além disso, como tudo (feliz ou infelizmente, a depender da sua interpretação) em Brasília é jogo de interesses, a tramitação do projeto de lei não foi exatamente como o esperado. Na CMO, o deputado e relator Hildo Rocha (MDB-BA) deu parecer favorável ao projeto, mas na hora da votação parlamentares do PT, PCdoB, PSOL e até do PL (antigo PR) deixaram de registrar presença e impediram que houvesse quórum para votação. A votação foi adiada para o dia de hoje (11). O governo estima que o dinheiro vai acabar no próximo dia 20.
Infelizmente, o governo tem de recorrer a esse mecanismo para não entrar em uma área cinzenta – onde não se sabe as consequências de um eventual não pagamento de despesas obrigatórias ou toma-se o risco de cometer crimes de responsabilidade. Inclusive, o crédito suplementar tende a se tornar prática recorrente nos próximos anos: um estudo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) projeta que o governo não deve ter saldo positivo nas contas públicas, no mínimo, até 2026.
De qualquer modo, também impressionam os métodos arriscados do Executivo na viabilização de sua agenda: as reformas foram proteladas, tivemos MPs aprovadas no limite, podemos não ter dinheiro para pagar as contas… Fico na dúvida se é excesso de confiança ou simples desorganização política. Admito, porém, que para os investidores, o que importa é o resultado.
Ainda, talvez seja hora de realmente revisar o mecanismo da regra de ouro. Revisar não significa revogar, nem afrouxar as necessárias amarras da responsabilidade fiscal. Significa, sim, adequar às realidades do país. Claro, todo cuidado é necessário nesse debate. No entanto, de nada adianta uma regra que sempre fique ameaçada de descumprimento.