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A privatização do setor funerário em SP e o futuro do ‘mercado da morte’ no Brasil

Publicado 16.09.2022, 13:58
HAPV3
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Há umas semanas, após cinco anos de tentativas — quando o então prefeito de São Paulo, João Dória, iniciou a preparação da privatização do setor funerário paulistano —, finalmente vimos a conclusão deste processo. Basicamente, a cidade de São Paulo dividiu seus 22 cemitérios em quatro blocos e fez a licitação para quatro grupos diferentes de interessados por um total de R$ 646,6 milhões. Além dos cemitérios, a prefeitura de São Paulo também vai permitir que  os blocos vencedores passem a administrar os serviços funerários da cidade. Já o crematório da Vila Alpina, que era o único do município, foi vendido para o vencedor de um dos blocos do leilão ao mesmo tempo em que os outros três blocos foram liberados para instalar crematórios na capital de SP. Assim, ficou resolvido que, a partir de agora, o serviço de crematório do município passará a dispor de quatro provedores.

Após as mudanças, fica claro que o processo licitatório no setor permitiu que São Paulo atingisse alguns objetivos: a concessão dos 22 cemitérios, o que permitirá a modernização desses locais bem como uma maior dinâmica nesse mercado que antes era monopolizado pelo governo. Além disso, a possibilidade de uma nova oferta de túmulos na cidade, já que eventuais famílias inadimplentes poderão vir a ser solicitadas a devolverem seus túmulos que têm a chance de serem novamente comercializados. E mais: a chance de trazer mais competitividade e possível aumento de qualidade na prestação dos serviços funerários e de cremação no município — uma vez que haverá grupos disputando o enorme mercado funerário da capital paulista que tem mais de 10 milhões de habitantes, segundo o último censo, ainda que desatualizado.

Nesse cenário, há que se destacar a participação de dois importantes players que se apresentam como consolidadores desse mercado, em âmbito nacional: Grupo Cortel, do Rio Grande do Sul (que liderou o Consórcio Cortel São Paulo) e o Grupo Zelo (que liderou o Consórcio Atena). Ambos fizeram dezenas de aquisições nos últimos anos, mais notadamente a partir de 2018.

Enquanto o Grupo Cortel ensaiou um IPO ao final de 2020, que acabou arquivado, o Grupo Zelo recebeu — em dois aportes sucessivos desde o segundo semestre de 2020 —, um montante da ordem de R$ 350 milhões do Fundo Crescera para financiar o seu desenvolvimento. A verdade é que ambos têm buscado oportunidades tanto no mercado de cemitérios e crematórios ao redor do Brasil quanto na aquisição de planos funerários, serviço que vem paulatinamente ganhando adesão da população brasileira.

Em termos de liderança na consolidação do mercado brasileiro, tanto Cortel quanto Zelo têm sido muito ativos. Desde 2018, Zelo adquiriu mais de 25 empresas em todos os espectros do mercado, enquanto Cortel adquiriu cerca de cinco, ainda não computados os números da recente privatização de São Paulo. O movimento faz com que esses grupos passem a ganhar musculatura nacional e tenham mais e mais condições de comprar empresas em diversas regiões do Brasil.

Mas o que será que eles buscam com isso? Provavelmente, algo similar ao que já existe no mercado americano. Por lá, esse setor já está na Bolsa de Valores há anos. Os representantes são SCI (Service Corporation International), Hillenbrand, Carriage Services e StoneMor). São empresas listadas, com capitalizações de mercado que variam de USD 400 milhões a USD 11 bilhões, caso da SCI, maior empresa listada do mercado americano nesse setor. Ela tem quase 500 cemitérios nos EUA e já fez dezenas de aquisições ao longo da história. Os múltiplos dessa indústria refletem a resiliência dela, estando na casa de 11X EBITDA atualmente na Bolsa de Valores.

Então, parece que Cortel e Zelo vão trilhar o mesmo caminho dos players americanos que adquiriram empresas “às dezenas” e chegaram à Bolsa, tornando-se uma opção adicional ao investidor de risco. A privatização em São Paulo destravou o principal mercado do país para esse movimento, uma vez que, até a ocorrência disso, a maior cidade do Brasil estava fechada ao capital privado. Um mercado que, por sinal, está ávido a investir em algo que é resiliente, rentável e cujo mercado endereçável é a população brasileira como um todo, uma vez que a morte está entre as principais certezas de qualquer ser humano.

Outro dia, em conversas com empresários do setor, com quem tenho tido excelentes diálogos ultimamente, fui desafiado a dar a minha visão sobre o mercado funerário no país. Nesse caso, o desafio vinha do fato de que esse empresário não conseguia enxergar os benefícios da consolidação em cemitérios, por exemplo. Não deixa de ter a razão, se pensarmos que o principal insumo é o terreno e, nesse ponto, a consolidação não traz ganhos. Ademais, a administração também não oferece tantas oportunidades para se buscar sinergias. Porém, minha visão é que algo similar ao que ocorreu (e está ocorrendo) na saúde, pode acontecer no mercado do luto: a verticalização. Ou seja, a formação de grandes grupos consolidadores de planos funerários que, ao serem proprietários de cemitérios, terão condições de balizar os preços dos serviços, buscando eficiência e redução de preços. Deste modo, os grupos deteriam “a posse” dos clientes e, portanto, o poder de compra de serviços. Como é o caso da Hapvida (BVMF:HAPV3) e GNDI que hoje são, sem dúvida, o maior grupo de saúde verticalizado da América Latina.

Enfim, vale assistirmos as cenas dos próximos capítulos, porém já adianto  que veremos muita consolidação, idas à Bolsa de Valores e profissionalização deste setor que é bastante pulverizado no Brasil e ainda conta com negócios pertencentes a empresas familiares.

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