O “pass-through” da alta dos preços no atacado, consequente do “câmbio alto”, para o varejo é uma realidade incontestável, e, tudo indica que considerar o fato temporário, como o fez o COPOM, é fugir ao enfrentamento da realidade, a menos que ocorra um arrefecimento da demanda externa de produtos agrícolas e pecuários, em especial, e outros como metálicos e uma queda acentuada do preço do dólar no nosso mercado.
Como este cenário de “ajuste” é improvável, a alta no preço dos alimentos veio para ficar e pode até se agravar com desabastecimento e este fato impacta aniquilando a renda dos consumidores, já prejudicada pelo redutor que representam os reajustes nos serviços administrados e contratos de alugueres e serviços atrelados ao IGP-M que sinaliza projeção de 15% este ano.
Não bastasse esta realidade absolutamente transparente, ocorre, também, a redução substantiva do auxílio emergencial à população carente através dos programas assistenciais do governo, tanto em valor quanto em número de beneficiários.
E o mais relevante é que há um silêncio em torno da dimensão efetiva e suas consequências dos aumentos nos alimentos e toda cadeia de serviços atrelada ao IGP-M, e um cuidado zeloso de não atribuir o fato ao “câmbio alto”, que é uma proposta de governo a partir do Ministério da Economia, que no todo, excetuando o agronegócio, não atingiu seus objetivos e causou, até o momento, enormes impactos danosos na economia brasileira.
É cômodo atribuir-se à pandemia do coronavírus o “status quo”, contudo nem tudo se deve ao fato, já não vinha a economia brasileira em efetivo desenvolvimento, embora os anseios a propagassem nesta linha e tenham agravado em muito a crise fiscal presente.
Temos advogado que tanto o “câmbio alto” quanto o “juro baixo” precisam de ajustes de compatibilização com a realidade brasileira e ambos sinalizam que estão um pouco fora do ponto de equilíbrio, até porque a ideia posta de forma empírica e depois conduzida para além do desejado pelo governo pelo mercado e um pouco de especulação, não teve e ainda não tem parâmetros considerados simétricos com seus objetivos.
O impacto do “câmbio alto” mais alto nos preços no mercado interno dos produtos exportáveis é algo inexoravelmente consequente e que se agrava quando há exacerbação no preço base da conversão, ou seja, no preço do dólar no nosso mercado.
Os membros do COPOM procuram não abordar esta realidade frontalmente e então fazem discretas menções de “alta temporária dos alimentos” e sobre o juro no curto prazo, que no nosso entender será facilmente contaminado pelo juro de médio/longo prazo que já vislumbra ambiente inflacionário, fato já perceptível.
O consumo ao que tudo indica, inevitavelmente, sofrerá um baque com a queda do potencial de consumo da população e este é um aspecto que o COPOM também não tem valorado adequadamente, e este fato vai impactar nas perspectivas efetivas de retomada da atividade para o país.
Enfim, não há muito com que nos entusiasmarmos com perspectivas, mas sim tudo sugere postura mais cautelosa e preventiva, e esta já é a característica que está ficando como legado na população com o convívio com a crise do coronavírus e que deve se acentuar com as incertezas já presentes e a queda efetiva de renda real.
A questão fiscal permanece na berlinda visto que há uma inquestionável vontade do governo em estabelecer um programa mais agressivo de auxílio à população carente, por ser necessário e também por atender os anseios políticos do Presidente, e como é do conhecimento geral o “cobertor está curtíssimo” e o eventual rompimento do teto orçamentário agravaria severamente as perspectivas já não tão auspiciosas e poderia causar um impactante choque no juro a partir dos títulos públicos.
Continuamos entendendo que não há, mesmo com o agravamento fiscal, razões fundamentadas para maior exacerbação do preço do dólar no nosso mercado, pelas razões que repetidas vezes temos destacado, quais sejam o país não tem expectativas de demandas legítimas no mercado de câmbio e tem reservas cambiais e instrumentos operacionais derivativos sofisticados, e não há por que nesta oportunidade razões para apostas contra o real.
Pressão, se houver, deverá ocorrer no mercado de juro sinalizando melhor percepção da perspectiva inflacionária, e isto não deve tardar a acontecer.
O BC/COPOM deveria ser o protagonista na percepção desta situação já presente, não o faz, deixando transparecer que aguarda a conformidade do mercado financeiro para então, sancionar e pode estar atrás da curva dos acontecimentos.