Você pode gritar “América Primeiro” o quanto quiser — mas se quem te abastece é o seu adversário, talvez seja melhor pensar duas vezes antes de começar uma guerra comercial. E quando os percentuais ultrapassam 145% e o comércio entre as duas maiores potências do mundo praticamente trava, a pergunta que fica é: quem está mesmo ganhando com isso?
O objetivo declarado era proteger a indústria americana e punir a China. Mas os números contam uma história um pouco mais embaraçosa: um exemplo é o principal produto exportado pelos EUA para a China que gira em torno de US$ 15 bilhões, já os chineses vendem aos americanos mais de US$ 120 bilhões do seu principal produto exportado. Na prática? Os EUA dependem muito mais da China do que o contrário. E parece que Trump aprendeu isso da pior forma possível: blefando, sendo trucado, e vendo o adversário sorrir com o canto da boca.
No início, o ex-presidente fez pose de quem ia “até o fim”. Mas bastaram alguns contra-ataques para que o discurso endurecido começasse a amolecer. O tom mudou: de “vamos vencer essa guerra” para “somos todos amigos e podemos negociar”. Clássico recuo de quem percebeu que mexeu num vespeiro sem entender onde estava se metendo.
Enquanto isso, a China entendia exatamente o que estava acontecendo. Viu os EUA fecharem acordos e imporem tarifas em todos os cantos, e se colocou à disposição dos países deixados de lado. Especialmente entre vizinhos asiáticos. A China esperou os EUA se trancarem no próprio quarto e saiu distribuindo cartões de visita mundo afora.
Mais do que reação, a China agiu com método. Sempre com um compasso de espera. Como se estivesse dizendo: “você primeiro, eu depois”. Os EUA, imediatistas, erráticos, reativos. Trump começou a guerra — mas quem está recuando, a olhos vistos, é ele. E isso cria um dilema de ouro: ou os EUA recuam de vez (o que seria um baque político gigantesco para o ego do ex-presidente), ou insistem em manter tarifas impagáveis — arriscando uma recessão global e aprofundando ainda mais a crise doméstica.
Aliás, falando em crise interna... as pressões políticas dentro dos EUA só crescem. Das últimas sete pesquisas nacionais, seis mostraram queda de aprovação para Trump. E os mercados estão captando esse cheiro de confusão: uma pesquisa com 500 gestores globais revelou que há uma clara intenção de reduzir exposição aos ativos americanos. Ou seja, o próprio dinheiro está desconfiando do comandante da maior economia do planeta.
Fato é que, com a guerra comercial e tarifária, os dois – e o mundo – saem perdendo. Mas a China pode ter uma vantagem também histórica para ser a “quem perde menos”.
E para entender essa lógica, é preciso olhar além do agora. Os EUA ocupam a posição de liderança global há cerca de 80 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial — um feito notável para uma nação jovem, com pouco mais de dois séculos de história. A China, por sua vez, carrega mais de 5 mil anos de trajetória, tendo sido, em diferentes momentos, o centro de gravidade do mundo. O que vemos hoje não é exatamente o surgimento de uma nova potência, mas o retorno gradual de uma velha conhecida ao seu lugar de protagonismo. Um movimento silencioso, calculado — mas longe de ser novidade.
E não se trata aqui de torcida. A América Latina tem muito mais sinergia cultural, econômica e política com os EUA. Mas romantizar que os EUA “sempre foram os donos do mundo” é ignorar séculos de história. O mérito da potência americana é enorme — mas pode não ser eterno.