Muitos sujeitos eminentes, como Karl Hellferich, ex-chanceler do Reich, advogavam que a hiperinflação do marco alemão se deu por conta de um desequilíbrio estrutural da balança de pagamentos, principalmente por conta da dívida de guerra que a Alemanha mantinha após a Primeira Guerra Mundial, firmada a partir do Tratado de Versalhes. Essa tentativa de imputar todos os problemas estruturais, tanto do marco, como da condução das políticas fiscais e monetárias, apenas ao déficit na balança comercial foi um grande impedimento para uma reforma das instituições e regras do Reichsbank.
Se seguirmos as raízes e a cronologia dos eventos, nos deparamos com uma amálgama de eventos, causados por displicências para com a condução da política econômica e completo descaso com os predicados básicos da economia.
O marco alemão foi desvinculado do padrão ouro em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. O abandono do padrão ouro foi uma medida adotada por muitos países participantes da guerra devido à necessidade de financiar os esforços de guerra, o que levou a uma flexibilização das políticas monetárias e à suspensão da conversibilidade das moedas em ouro. No caso alemão, a desvinculação do marco ao ouro ocorreu para permitir uma maior flexibilidade nas políticas monetárias e facilitar o financiamento das despesas relacionadas à guerra.
Aqui, é importante ressaltar que, uma moeda não necessariamente precisa ser lastreada, desde que ela componha as características qualitativas, que são: Durabilidade, Portabilidade, Fungibilidade, Divisibilidade, Aceitabilidade e Limitação da Oferta. O conceito de valor utilidade na teoria econômica destaca a ideia de que o valor de um bem está intrinsecamente relacionado à sua capacidade de satisfazer as necessidades e desejos dos indivíduos. No contexto das moedas, o valor utilidade se manifesta na capacidade da moeda de facilitar trocas e transações econômicas, servindo como meio eficaz de armazenamento e transferência de valor. Vide o bitcoin e algumas outras criptomoedas, que cumprem o papel de meios circulantes sem estarem vinculados a nenhum ativo físico, uma vez que sua emissão já é controlada a partir da sua programação.
Contrariamente à necessidade de lastro, a teoria do valor utilidade defende que a moeda não precisa ser respaldada por um ativo físico, como ouro, para ser valorizada. Em vez disso, sua aceitabilidade e confiança na sua utilidade para realizar transações são fundamentais. Se uma moeda é amplamente aceita, divisível, durável, e possui outras características mencionadas anteriormente, ela adquire valor por meio da confiança coletiva na sua capacidade de facilitar as trocas econômicas, independente de lastros tangíveis.
Agora, o padrão-ouro, é uma importante ferramenta para controlar a emissão massiva de meios circulantes, delimitando o poder, muitas vezes discricionário que um governo possui, em manipular a oferta monetária em uma determinada economia, principalmente para angariar algum capital político no processo.
Com a monetização da dívida sem a contraprestação de uma receita fiscal, que seria uma fonte de receita que não causaria um aumento nos meios circulantes, porém, a sua valoração seria altamente impopular, o Reichsbank começou a cobrir os déficits crônicos da economia alemã pela emissão de letras do Tesouro. O desconto das letras do Tesouro propiciou o canal para uma inflação que era mostrada diretamente pelo agregado monetário. A Alemanha passou todo o ano-fiscal de 1914 e grande parte de 1915 sem criar nenhuma fonte de receita ordinária.
Com os crescentes déficits e os eventuais pagamentos de reparações, estava formada a "tempestade perfeita" para a catástrofe do marco alemão: pagamentos de reparação, desvalorizações cambiais, elevação nos preços domésticos de importação e exportação, elevação nos preços domésticos, déficits orçamentários e, um consequente aumento da demanda por créditos bancários e, para cristalizar e retroalimentar esse ciclo, o aumento na emissão de moeda.
No ano de 1923, na edição de dezembro do jornal Wirtschaft und Statistik, publicaram algumas mensurações da desproporcionalidade das emissões de letras do Tesouro e empréstimos do governo em comparação com as fontes de receita do governo alemão angariadas a partir de impostos. O resultado revelou que apenas 15% das despesas totais foram cobertas com impostos, indicando uma defasagem significativa entre os gastos governamentais e as receitas tributárias. Como resultado, a lacuna financeira foi preenchida por meio da monetização, com emissões massivas de letras do Tesouro, impulsionando a inflação e desvalorizando o câmbio do marco alemão.