O mercado de venture capital (VC), que vivenciou recorde de movimentação em 2021, está passando por um momento delicado diante do cenário macroeconômico global de altas taxas de juros, pressão inflacionária e menor liquidez. No primeiro trimestre de 2022, as movimentações do mercado global de VC caíram 19% em relação ao último trimestre de 2021. Foi a maior queda desde o 3º trimestre de 2012. No Brasil, a queda foi de 27%, totalizando R$ 6,4 bilhões no período.
Recentemente, grandes fundos como Lightspeed Venture Partners, Craft Ventures, Sequoia Capital e Y Combinator alertaram suas investidas a tomarem medidas emergenciais para o que pode ser a virada mais acentuada em mais de uma década. Seus conselhos de sobrevivência incluem cortes de custos e despesas e readequação da operação para preservar caixa para os próximos 24 meses, diante do cenário mais desafiador para novas captações.
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Contexto Macroeconômico
A inflação é uma ameaça global no atual contexto macroeconômico, causada principalmente pelos auxílios emergenciais promovidos durante a pandemia e os choques de oferta. Os Estados Unidos, que sempre tiveram a inflação entre 2% e 2,5%, está enfrentando a maior alta de inflação dos últimos 40 anos, atingindo o nível de 8,5% em um contexto de baixa taxa de desemprego.
Desde junho de 2021, quando o IPC registrou 5,4% (maior alta desde a crise financeira de 2008) a inflação americana não parou de subir e, diferentemente do Banco Central do Brasil, que foi um dos primeiros países a subir a taxa de juros para combater a inflação, o Federal Reserve Fed iniciou o aumento de juros apenas em março de 2022. Como resultado, a expectativa do mercado agora é que o Fed tenha que partir para um aumento mais substancial dos juros e, como maior economia do mundo, sua política monetária será sentida além das fronteiras.
Impactos no mercado de ações
A má notícia para as ações é que elas geralmente se movem na direção oposta às taxas de juros. Quando utilizamos a Nasdaq contra o 10-year treasury, esta correlação é ainda mais forte pois o índice contempla grande parte das ações de empresas de “growth” (crescimento).
O impacto da taxa de juros é ainda maior sobre setores em que a performance das companhias ocorrerá mais no longo prazo, pois uma maior fatia do resultado dessas empresas será impactada pela taxa quando descontadas a valor presente. Além disso, as empresas de “growth” são mais alavancadas pois dependem de investimentos e empréstimos para financiar o seu rápido crescimento. Durante a pandemia, devido às políticas de baixas taxas de juros (no caso dos Estados Unidos, entre 0% e 0,25%) e da crença de que as taxas de juros permaneceriam baixas no longo prazo, os múltiplos dessas empresas foram para níveis extremamente altos, acima das médias históricas.
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O contexto atual é exatamente o inverso. A “empinada” da curva longa de juros americano para níveis próximos a 3% impactou fortemente as ações, principalmente as de “growth”, que caíram relativamente mais do que as de “value” (valor). As empresas de tecnologia listadas na bolsa (sejam Saas (Software as a Service), marketplaces ou fintechs), perderam mais de 50% de seu valor de mercado este ano e índice Nasdaq chegou a acumular perdas de 30% no ano. Quanto mais orientadas para o crescimento, mais elas sofreram um tombo nos últimos seis meses e tiveram seus múltiplos comprimidos significativamente. De um modo geral, muitas empresas estão indo bem, relatando um crescimento significativo de receita, mas o mercado agora está optando por avaliar as ações de “growth” de uma maneira fundamentalmente diferente.
Reflexos no mercado de venture capital
Os fundos de venture capital se baseiam nos múltiplos das empresas públicas (“comps”) pois são os múltiplos de saída para seus investimentos. Desta forma, a compressão de múltiplos das companhias de capital aberto afeta diretamente o valuation que os fundos estão dispostos a pagar nos novos investimentos. Ao mesmo tempo, há menos liquidez no ecossistema se comparado a um futuro não muito longe em que uma das principais fontes de liquidez da cadeia eram os mega fundos do Softbank (TYO:9984) e Tiger Global, que investem em empresas públicas e privadas e que recentemente registraram rombos bilionários devido a queda das ações de suas investidas que já abriram capital.
A Tiger Global Management (gestora mais ativa no mercado de venture capital e que tem mais de 100 unicórnios no seu portfólio) registrou prejuízo de US$17 bilhões no 1º trimestre de 2022, quase 70% do que acumulou em 21 anos. Por sua vez, o SoftBank reportou prejuízo recorde de US$ 26 bilhões em seu braço de investimento Vision Fund.
Se por um lado os fundos de venture capital levantados foram muito maiores do que nos outros anos, por outro, o dinheiro foi investido a uma velocidade muito maior. O prazo habitual de três anos passou para 1,5 anos. A Tiger, por exemplo, já quase investiu a totalidade do fundo que acabou de levantar em 2021 de US$ 12,7 bilhões. Hoje, a gestora vem diminuindo consideravelmente o nível de movimentações e concentra seus maiores esforços em oportunidades early stage.
Ou seja, agora, após o momento de euforia e considerando o cenário econômico menos favorável, os fundos devem levantar recursos e investir de forma mais lenta, voltando à normalidade. Existem ainda alguns fundos que estão congelados no mercado enquanto aguardam clareza em relação à economia, potencial recessão, incertezas geopolíticas da guerra e, é claro, um horizonte mais preciso de para onde os novos níveis de avaliação vão chegar.
Será o fim das novas captações?
Os investimentos não irão cessar, porém haverá mais cautela. Os empresários terão que demonstrar maior flexibilidade em relação ao valuation, além de uma tese de investimento e crescimento bem robusta. Estamos diante de uma fase mais madura do ambiente de negócios em tecnologia. A movimentação de compra de empresas tech vai continuar, mas certamente haverá redução na velocidade com que isso irá ocorrer.
Os compradores serão mais críticos. As startups terão que demonstrar fundamentos muito bons para chamarem atenção. Não existe mais o ‘oba-oba’ visto no ano passado. Alguns checklists precisarão ser muito bem demonstrados para as techs conseguirem captação de recursos. Ainda assim, o valuation será menor que antes. Sim, é um cenário desafiador para as startups que conviverão com investidores mais diligentes, valuation e liquidez mais baixa. Mas é aí que está o teste final: a régua subiu e ‘passará de ano’ aquelas que superarem as expectativas e usarem as adversidades a seu favor da melhor forma possível. Coisa que, por sinal, as startups já nascem fazendo.