Aqui na coluna já comentei sobre o Tether e as fortes e robustas suspeitas de que ele seja utilizado para manipular o preço do Bitcoin e demais criptomoedas. Quando escrevi o texto, havia uma denúncia relativamente preocupante circulando: a empresa que detém o Tether não possui recursos para cumprir o que a moeda promete. A promessa é simples: o token do Tether é garantido por dólares da empresa emissora. Entretanto, conforme havia emissões mais ousadas, havia a desconfiança de que esses novos tokens não teriam lastro em dólar.
Com o lançamento do artigo “Is Bitcoin Really Un-Tethered?”, houve a confirmação de que o Tether não era plenamente honesto. Suas emissões eram sincronizadas com períodos que era estratégico ter altas de preço nas criptomoedas. A manipulação acendeu um alerta amarelo: o quão dependente era o ecossistema da criptoeconomia do Tether? Mais importante: o que aconteceria se o Tether falhasse? Teríamos uma nova crise comparável à quebra do Mt Gox onde um elemento pivotal do mercado quebrou frente a manipulações?
Considerando que a aparente influência do Tether durante a manipulação parece verdadeira, o colapso dessa stable coin seria, de acordo com alguns analistas, catastrófico. Risco de catástrofe em criptoeconomia costuma se converter em FUDs: pânico e decisões impensadas. Nessa semana, a paridade 1:1 entre dólar e Tether foi quebrada por tempo suficiente para ser notada. A causa supostamente foi um problema com contas de banco. Diversas exchanges baseadas em Tether tiveram flutuações em preços de seus ativos enquanto outras, como a Coinbase – lastreada em dólar americano – passaram incólumes. Problema é: a parte das exchanges de grande volume usa stable coins. Isso parece confirmar o risco de catástrofe.
Entretanto, há evidências que minimizam esses potenciais danos. Outro artigo, que pode ser conferido aqui, indica que não há relação clara entre os preços de Bitcoin e emissões de Tether. Haveria o timing sim, porém de pouco impacto. Esse artigo não trata somente de emissões, porém variações cotidianas – o que importa para impactos constantes – e descarta o forte impacto. Entretanto, na amostra não há nada similar ao que ocorreria numa quebra, sendo insensato descartar a ameaça apenas com base nele.
Mais importante: há hoje diversas competidoras críveis para o Tether. Uma excelente apresentação foi feita por Allex Ferreira, nesse texto. Há a Gemini USD e a TrueUSD. Ambas são stablecoins pegged com dólar que procuram ter maior transparência que o Tether. Com a queda do Tether, houve um fortalecimento documentado da Gemini. Houve fuga de Tether para essa nova moeda; isso é um bom sinal da capacidade do mercado reagir a incertezas em stable coins sem maiores problemas. Obviamente isso pode mudar se o choque for maior, porém há maior resiliência a uma crise do Tether. A depender de como as exchanges forem se comportando, com migração gradual a outras soluções, há possibilidades de passar por essa tensão sem grandes perdas.
Concluindo, não vejo razões para colocar o Tether no ponto pivotal que a Mt. Gox já teve um dia. A crise do Tether é séria e um grande risco a se considerar, porém o estágio de desenvolvimento do mercado antigamente era muito menor e girava ao redor de poucos players: no colapso de um deles, havia pouca capacidade de reação. Atualmente, apesar de ainda ter tecnologias pervasivas – o tether é o numerário de várias exchanges – há grande capacidade de resposta e competição. Não é possível descansar com essas incertezas, porém não vejo como impeditivo para operar o mercado no médio prazo.