Em Portugal, na época do inverno, há o costume de comer castanhas compradas em carrocinhas na rua. São muitos vendedores e quase todos vendem ao mesmo preço e quantidades similares. Há duas maneira de explicar isso: cartel - improvável dado que o mercado de castanhas não vale tanto assim - e concorrência perfeita. Há baixos custos de entrada no mercado, facilitando a entrada de interessados em vender castanhas e derrubando o preço.
Como disse aqui uma vez, as placas ASIC e mineração dedicada aumentaram a dificuldade de entrar no mercado de mineração. De um mercado de castanhas portuguesas, passamos a um mercado dominado por poucas fazendas de mineração, um oligopólio. Apenas quatro mineradores conseguem mais de 51% da produção de hash power do Bitcoin, facilitando conluios e ataques. Entretanto, esses ataques são impossibilitados pelo alto investimento que os mineradores fizeram e baixo poder de revenda do capital físico: ninguém reduziria a credibilidade de um mercado que investiu tanto.
Recentemente, houve uma métrica desenvolvida que ajuda a mensurar a segurança da rede. A chamada Fee Ratio Multiple (FRM) mensura o quanto os mineradores ganham sobre todo o montante que processam. Conforme dito por seus criadores, isso é um proxy para o quanto a rede precisa no momento para estar segura. Essa interpretação tem problemas, posto que, por exemplo, podemos andar num abismo sem cair, porém estamos sob risco de queda. Segundo essa operação, quanto menor a FRM, melhor uma rede. Contudo, vejo que a FRM deve ser comparada com o custo de abrir uma fazenda de mineração, para entender os incentivos a ataques: quanto maior o custo fixo, menor a chance de ataques. A métrica FRM, portanto, deve ser considerada diferentemente entre criptoativos ASIC resistant e os que contam com essa tecnologia.
Além do mais, a métrica é dita valer apenas para moedas com Proof-of-Work. Recentemente há a tentativa de coibir a concentração de mercado via mudança de Proof-of-Work para Proof-of-Stake. O custo físico de placas ASIC não entra mais na decisão de manter a rede sob Proof-of-Stake, facilitando a entrada de players. Haveria grande descentralização Contudo, a redução do custo fixo facilita ataques se a descentralização não for bem-sucedida. Esse não parece ser o caso: no site “Are We Decentralized Yet?” há dados sobre a centralização dos criptoativos. Os ativos PoS têm maior descentralização, excetuando-se o Cardano. O Ethereum, em uma longa transação para PoS, tem potencial para ser ainda mais descentralizado posto que as 100 maiores carteiras possuem apenas 34% dos Ethers minerados. Nesse caso, parece que PoS resolve parte dos ataques de 51% possíveis apesar de seu baixíssimo custo fixo.
Vale notar que há outros ataques. Os ataques Nothing-at-Stake e ataques especulativos, a serem tratados na parte 2 desse texto, são importantes de serem considerados. Vejo essa primeira parte como uma introdução a um approach microeconômico para a descentralização dos criptoativos. Os outros ataques são ligados a problemas tecnológicos e, curiosamente, até geopolíticos. Com essa série, creio que será mais fácil entender algumas tendências no que diz respeito aos riscos dos criptoativos.