Jamais deveria ser segredo para a população que macroeconomia tem um forte quê de bruxaria. A maioria das questões macroeconômicas que são consensuais entre os bons macroeconomistas são menos de teoria econômica e mais de contabilidade básica. A reforma da previdência? Independe de ser ortodoxo ou heterodoxo para percebê-la como necessária se há o mínimo de clareza sobre como funciona o orçamento público. Alto custo da burocracia estatal? Sabemos comparando as variáveis objetivas “percentual de funcionários públicos no governo central” e “gastos com funcionalismo público no governo central” entre Brasil e demais países da OCDE. Nada entra em teorização, a princípio. Já questões como “previsão de PIB”, “desenho das instituições para maior crescimento” e afins são extremamente difíceis e técnicas e não temos tanto sucesso em formar um consenso.
Dito isso, há muitas ideias ruins que, apesar de não consensuais, soam estranhos. Por exemplo, há diversas propostas de uniões monetárias como o Euro. No caso europeu deu certo? Não há consenso claro, e há diversas regras prescritas em teoria para uma união monetária dar certo que se aplicam não totalmente na realidade. Em todo caso, com a crise financeira de 2008 e seus desdobramentos, podemos dizer que todos bons macroeconomistas percebem riscos em uniões monetárias. Mesmo com isso tudo, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro declarou que uma união monetária com a Argentina seria desejável e deve ser estudada a longo prazo. Conclusão natural deste parágrafo: essa ideia é, evidentemente, uma péssima ideia. Corolário da conclusão: governos têm péssimas ideias em economia o tempo inteiro e devemos procurar escapatórias disso para proteger nossos investimentos.
Infelizmente poucos ativos são, em tese, imunes aos governos. O ouro tem essa mitologia ao redor: ele é, em tese, um safe haven quando todo o resto vai mal. Alguns defendem que o Bitcoin também é assim. Esse otimismo a respeito do Bitcoin não me soa próximo de ser uma certeza posto que 1) as criptomoedas ainda não passaram por uma crise mundial, então não temos base empírica, 2) o posicionamento de institucionais, que têm interesses em diversificação e proteção de riscos, ainda não é claro a respeito dessas tecnologias, 3) o maior risco sistêmico pode fazer as pessoas alocarem menos em ativos de risco extremo. Por enquanto, a volatilidade do Bitcoin (e das altcoins) pode ser a barreira para as criptomoedas se consolidarem num ambiente ideal para elas. Mercados futuros não foram o bastante para a redução da volatilidade e ainda não há resposta fechada para como a criptomoeda se tornará mais estável.
Há, portanto, há um elemento considerável que pode fomentar maiores preços do Bitcoin e demais altcoins: os governos que se preocupam pouco com economia e têm ideias péssimas em termos fiscais e monetários. Eles têm sido frequentemente eleitos nas últimas três décadas e parece que não haverá quadros melhores sendo eleitos na próxima. Para investidores mais atentos surfarem nisso usando criptomoedas, deve haver uma forte redução na volatilidade. O problema é que, também, essa redução não parece estar próxima de ocorrer. A menos que surjam outros usos que tragam estabilidade nos seus preços, não vale esperar que as criptomoedas atingirão o status de reserva de valor. Nos próximos textos, discutirei esses usos - meios de pagamento e plataformas - mais em detalhes e como eles interagem com o governo.