Entre os três leitores desta newsletter, existem vários muito inteligentes e cultos. R.N. é um deles. Preservo sua identidade por respeito à sua privacidade. Sou sujeito distinto, você sabe… mesmo se for preciso, “decadence avec elegance”.
O começo de hoje apresenta e-mail escrito ontem por R.N.:
“Muito boa tarde Felipe,
Espero que estas bem junto com a sua linda família.
Pode ate ser que a Napoleão hesitou em atacar mas não me parece ser bem o que ocorreu. Victor Hugo no seu livro Os Miseráveis dedica uma grande parte sobre Napoleão e claro a sua derrota na batalha de Waterloo. Vindo de um francês com extremo senso de patriotismo, ele não defende nem Napoleão, nem lorde Wellington, mas sim o destino. A chuva forte da noite anterior da batalha que deixou as rodas dos canhões imersos na lama pela metade, dificuldade dos cavalos de se movimentarem; enfim Napoleão não tinha muito o que a fazer a não ser esperar. Não porque quis mas porque não pode avançar. Mas acima de tudo ele teve informação errada que na opinião do Hugo foi decisivo na derrota dele. Dias antes ele vinha olhando com seu famoso binóculos telescópico o horizonte e estudando o terreno que se via lá no distante e não enxergava nada demais mas tinha aquele feeling que algo está de errado naquele lugar e em vez de mandar soldados para averiguar o local ele perguntou a um fazendeiro (não se sabe se era um espião) o que tinha lá no final desse horizonte e a resposta foi nada ali esta tudo tranquilo. Emperador confiou num fazendeiro. O resto é historia. O local foi o terreno onde os franceses foram massacrados lutando bravamente. Uma informação errada levou a queda de um dos maiores gênios de estratégia de guerra na historia recente para o fim dele. Hugo acha que isto era porque a divindade decidiu que Napoleão não tinha um papel a exercer na próxima etapa da historia humana e caiu nas garras das sua próprias injustiças que vinha a cometer ao longo de anos de guerras que levou milhares de maridos, filhos e outros a sua morte precoce. Aqui ha 2 lições, 1. onde está a fonte de nossas informações e a nossa própria e independente busca da verdade. Na duvida, não faça (senta na mão. hahahahah). 2. quando o destino está traçado e não ha uma boa razão para que continuemos na direção que pretendemos ir, eventos fora de nossa controle podem acontecer que nos levam aonde não queremos ir. Apenas some food for thought.
Abraços ”
Copiei o e-mail de R.N. não somente porque adorei o texto e porque precisava corrigir eventual impressão errada que talvez o Day One de ontem possa ter deixado sobre a Batalha de Waterloo, mas também porque há lições realmente muito valiosas aqui.
Destaco ao menos quatro:
1. “No map is better than a wrong map.” A informação passada pelo fazendeiro foi um mapa errado. Era melhor tê-lo ignorado a confiar numa informação equivocada. Guias ruins nos levam a lugares ruins. Ontem mesmo, tive um “thoughtful disagreement” (desentendimento pensativo?) com um de nossos analistas. A ideia dele era fazer uma comparação entre os vários bancos com operação digital listados e usar o múltiplo de valor de mercado sobre clientes para tentar medir quem estava barato ou caro. O problema é que alguns dos bancos não divulgam seus clientes na operação digital. Não sabemos a rentabilidade por cliente, tampouco o quanto esses clientes crescem em cada um dos bancos. “Ah, mas, Felipe, eu estimei o número de clientes.” São tantas premissas e estimativas que aquilo pode acabar sendo um mapa errado. “Olha, se não temos confiança no cálculo do múltiplo, simplesmente melhor não usá-lo. Iríamos nos apoiar num alicerce de areia. Vamos abandonar esta abordagem. Ela apenas representa um desejo de controle em tentar quantificar algo que não sabemos.”
2. “Bezerro bom não berra.” Há de se aceitar o peso do destino, tal como ele se coloca. Amor fati. Reclamar das adversidades, colocar a culpa no outro, tergiversar responsabilidades. Tudo isso talvez ajude seu ego e o faça ficar melhor numa roda de amigos, quando você quer aparentar inteligente. Mas não vai mudar sua realidade objetiva. Se você errou um trade, a responsabilidade é inteiramente sua (assim como o acerto é mérito seu também), ainda que seja resultado da aleatoriedade. Isso nos leva ao terceiro ponto.
3. Eventos aleatórios definem trajetórias. Se não tivesse chovido tanto na noite anterior, as guerras napoleônicas e todo o destino da Europa seriam diferentes? Se Napoleão não houvesse consultado o famigerado fazendeiro, o resultado seria outro? Não sabemos, pois a História não nos conta aquilo que poderia ter sido, apenas o que realmente aconteceu — isso aliás é um complicador enorme para o cálculo de risco das coisas. Como muito bem lembra Howard Marks, risco é muitas vezes imensurável (fora do nosso platônico desejo de controle) mesmo a posteriori. Se a Maju Coutinho falar que há 60% de chance de chuva amanhã e realmente chover, ela estava certa? O ponto essencial aqui, porém, é que você precisa estar preparado para a aleatoriedade, na vida e nos investimentos. Até outro dia, a Sanepar (SA:SAPR11) era defenestrada. Então, os vetos ao marco do saneamento chegam melhores do que a tese mais otimista e começa a chover no Paraná, e a companhia vira, como num passe de mágica, queridinha do smart money de novo. Só um pequeno exemplo, claro. Se Sergio Moro não tivesse vazado o famoso áudio do “Bessias”, haveria impeachment da presidente Dilma? Há tantas coisas grandiosas definidas por pequenos eventos aleatórios…
4. A real fonte de geração de valor para seus investimentos é a boa informação, devidamente tratada com análise, claro, pois ter um dado e não saber o que fazer com ele pode ser bem perigoso. O que é uma boa informação? Olha, dentro do nosso escopo, do value investing clássico, tudo se resume à comparação entre preço e valor intrínseco. O preço é observável, está na tela do seu computador. Então, boa informação é aquela capaz de mudar o valor intrínseco de uma empresa, separando ruído de sinal verdadeiro. Ou aquela que pode catalisar a convergência do preço para o valor intrínseco — ao deixar o valor intrínseco mais claro para o mercado a partir da redução da assimetria de informação por um fato novo, o magnetismo entre as coisas se intensifica e dispara ordens de compra para a respectiva ação. Como diria Bruce Springsteen, “can't start a fire without a spark”. O chefe tem sempre razão. Tecnologias podem ser copiadas. Sistemas e home brokers também. Acesso a boa informação e capacidade de análise são irrealizáveis, porque elas dependem de pessoas, da essência da inteligência — e, ao menos até agora, ainda não temos processos de clonagem em massa.
A pergunta que fica é: onde procurar boa informação nos dias de hoje?
Os jornais de economia e finanças oferecem duas, no máximo três páginas por dia. E também dificilmente seriam uma fonte muito rica. O mercado é muito rápido e a assimetria de informação sempre começa a ser reduzida pelo smart money. Se chegou no jornal, na maior parte das vezes já está no preço.
Os departamentos de research de bancos foram esvaziados nos últimos anos, além de estarem permeados por conflitos de interesse das mais variadas naturezas. Quem vai dar o maior upside de um determinado setor para as suas small caps e incorrer no risco de o respectivo banco perder mandatos de operações societárias e creditícias com as blue chips do segmento? Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia.
As redes sociais emergem, cada vez mais, como uma ferramenta frequente de acesso à informação. Seriam confiáveis? Qual é a qualidade daquela informação? Esse influenciador realmente entende algo de ações? Quais são seus interesses?
Estamos num mundo novo. E isso exige um arcabouço novo. Como lidar com o acesso e a disseminação de informação neste ambiente? Até onde os gestores podem ir em suas manifestações sobre investimento sem manipular o mercado? Há limite para a liberdade de expressão conjugada a operações de compra e venda? E se negarmos livre acesso do investidor às redes, o que lhe restará? Quem poderá nos defender?
Como de costume, tenho mais perguntas do que respostas. Ainda bem!