Mário Henrique Simonsen, nosso ilustre ex-Ministro da Fazenda, utilizava a máxima de que “o juro aleija, mas o câmbio mata”, para evidenciar a importância deste preço na economia quando desajustado.
O que presenciamos agora é o “rebound” do proposto câmbio alto e estimulado pelo Ministro da Economia na inflação brasileira, já que ao estimular fortemente as exportações agrícolas e pecuárias repercute internamente nos preços dos alimentos de forma imediata e repõe ao cenário brasileiro o processo inflacionário, perceptíveis nas redes distribuidoras e somente, estranhamente, não captadas pelo IBGE na apuração do IPCA.
O câmbio alto, claramente agora fadado ao insucesso, visto que não promoveu os efeitos objetivados prioritariamente pelo governo, como plano de estímulo à atividade econômica focando “baratear” o país, estimular as exportações e atrair capitais estrangeiros para investimentos em conta capital e para renda variável, até porque excedeu os parâmetros de razoabilidade, e, conjugado ao estímulo de juro baixo possível pela inércia da economia, mas que também, não estimulou, como esperado, os investimentos por parte do setor privado.
Evidentemente é um sofisma atribuir-se total culpa do ocorrido à crise do coronavírus, visto que já na fase antecedente não criou motivação a outros fatores objetivados, restringindo-se tão somente a estimular o agronegócio que cresceu não somente pelo câmbio alto, mas, também e principalmente, pela elevada demanda global de alimentos.
Em realidade, o setor privado não reagiu como esperado ao estímulo dado pelo governo através o câmbio alto focando o mercado exportador, inibição do mercado importador, e aos investimentos produtivos.
O câmbio alto ganha destaque neste momento visto que é a causa das pressões inflacionárias, conclusão inquestionável, e de correção não tão rápida quanto necessário para não criar o retorno inflamado da inflação e desestruturar toda a estratégia da outra ponta “o juro baixo”.
É notória a desestruturação dos preços relativos da economia, e mais, os desalinhamentos sobre o poder de consumo da população que fica à mercê de reajustes salariais pelo IPCA minguado do IBGE no entorno de 2% projetados para o ano enquanto o IGP-M que reajusta os preços de serviços e tarifas aponta para projeção de 13% no ano.
Somente o desajuste gritante entre o IGP-M e o IPCA já seria um fator redutor relevante da capacidade de consumo da população, e, agregado ao exuberante aumento dos preços dos alimentos, em especial da cesta básica, aumenta em muito a capacidade de empobrecimento do consumidor brasileiro.
Há uma sensação de que o governo “perdeu a mão” no câmbio e o preço acabou alinhando-se a parâmetros acima do plausível que estaria no entorno de R$ 4,70 pelos cálculos de organismos internacionais, e o juro baixo com SELIC em 2% pode, até como já apontado pelo Ministro Guedes sem citar a causa, problemas de rolagem da Dívida Pública.
Há um imbróglio no contexto e a equação não é de fácil solução.
Dias atrás postamos que a tese do câmbio alto e juro baixo poderia se revelar insustentável e tornar-se um insucesso, e isto vai ficando claro, se não pela tese em si pela perda de razoabilidade dos parâmetros, que podem estar desalinhados.
Em realidade, temos salientado que não há no horizonte fontes de pressão sobre o preço do dólar a partir de demanda legítima, e isto está evidente desde quando o RIT do BC reduziu a projeção do déficit da conta transações corrente de US$ 40,0 Bi para US$13,0 Bi, e depois da enorme “sangria” havida com saída de investidores estrangeiros do país ao longo de 2019 e do 1o semestre deste ano.
A rigor, a crise fiscal, que pressiona o país, não deve repercutir no câmbio que revela ambiente absolutamente tranquilo. Temos reservas cambiais confortáveis e um mercado de derivativos bastante sofisticados.
Portanto, há espaço para um ajuste à razoabilidade do preço do dólar no nosso mercado, ainda que fique na margem considerado “alto”.
O mundo globalizado tem esta percepção, tanto é que o nosso CDS está somente em 203,0 pontos.
Na contra ponta, fica o descompasso do juro baixo que não trouxe as repercussões objetivadas e parece desconforme com a realidade do país, que por razões meramente circunstanciais ou de má aferição apresenta índice inflacionário baixo.
O argumento da parte “leiga”, que observa as considerações a respeito do juro como pressão dos rentistas que querem mais juro, não se apercebe que investidores experientes buscam rentabilidade em operações atreladas ao IGP-M que se direciona a 13% a.a., o que invalida o alegado pelos inexperientes.
O IGP-M de agosto fechou em 3,37% e a primeira prévia de setembro em preocupantes 4,41%, o que sinaliza que o descompasso entre a realidade deste indicador e a ficção do IPCA é cada vez mais preocupante.
O governo precisa enfrentar o problema para conter o ímpeto inflacionário, com o realismo de saber que passa pelo câmbio alto e não pelo supermercado, e precisa verificar por que o IBGE não capta este impacto no IPCA, e cria uma ficção inflacionária baixa.