Apesar dos avanços tecnológicos e da expansão do conhecimento, penso que ainda há uma grande discrepância entre as decisões de investimento dos indivíduos e os resultados dessas escolhas. É inegável! Afinal de contas, quase todos os investidores, senão todos, possuem algum arrependimento por causa de alguma decisão de investimento. Eu vejo isso acontecendo todos os dias!
Penso que a natureza desse problema, embora complexa, pode ser desvendada por meio da aplicação de brilhantes conceitos extraídos da obra de Daniel Kahneman [1], "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", proporcionando, assim, uma nova abordagem para a análise do perfil do investidor (API) [2].
A falha fundamental que identifico no mercado financeiro reside na limitada capacidade de compreensão dos perfis dos investidores pelas instituições financeiras. Essa compreensão superficial leva a abordagens, explicações e recomendações de investimentos inadequadas e perigosas. A origem desse dilema, na minha visão, está ancorada na "racionalidade limitada” dos investidores, um conceito que expõe a inclinação humana a erros de julgamento e a decisões influenciadas por heurísticas e vieses cognitivos.
Heurísticas e vieses cognitivos
Heurísticas são atalhos mentais ou regras práticas que o cérebro usa para simplificar a tomada de decisões. Elas permitem que os investidores façam julgamentos rápidos sem ter que analisar profundamente todas as informações disponíveis. Embora as heurísticas possam ser incrivelmente úteis, permitindo-nos tomar decisões rápidas em situações complexas, elas também podem levar a distorções e erros. E isso é o que mais acontece no mercado financeiro.
Daniel Kahneman e Amos Tversky foram pioneiros no estudo desses conceitos, demonstrando como eles afetam o julgamento e a tomada de decisão em situações econômicas e financeiras, entre outras. Ao entender heurísticas e vieses cognitivos, penso que podemos melhorar os sistemas de decisão, educação financeira e ferramentas de análise que ajudem a mitigar seus efeitos, promovendo, assim, um mercado muito mais saudável.
Rápido e devagar
Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel de Economia, ensina que a nossa mente opera segundo dois sistemas distintos: o Sistema 1, rápido e intuitivo, e o Sistema 2, lento e analítico. Essa dualidade de processamento mental é fundamental para entender as decisões de investimento, muitas vezes realizadas sob a influência predominante do Sistema 1, sem a devida análise analítico do Sistema 2.
Para combatermos essa que apontei como sendo a "grande falha" do mercado financeiro, proponho uma nova metodologia para a API, fundamentada nas lições de Kahneman. A metodologia é simples: classificar os investidores através de uma análise dos seus padrões de pensamento, preferências heurísticas e susceptibilidade a vieses cognitivos.
Dessa forma, desdobraríamos o perfil do investidor em categorias que reflitam a predominância do uso do Sistema 1 ou Sistema 2 em suas decisões de investimento, incorporando, também, variáveis psicográficas como conhecimento financeiro e racionalidade.
Futuro da API
Acredito que a implementação dessa nova API tem o potencial de transformar radicalmente o mercado financeiro. Ao alinhar as recomendações de investimento com os perfis comportamentais e cognitivos dos investidores, as instituições financeiras podem mitigar os riscos de decisões mal orientadas e promover uma maior sintonia entre os objetivos dos investidores e os produtos financeiros. Isso não apenas eleva o potencial de satisfação e sucesso do investidor individual, mas também contribui para a estabilidade e sustentabilidade do mercado como um todo.
Deixarei abaixo uma sugestão para a nova classificação dentro do modelo que propus acima:
-
Investidor Intuitivo-Reactivo (IIR)
Predominância do Sistema 1. Este perfil caracteriza Investidores que tendem a tomar decisões rápidas baseadas em intuições e emoções. Eles podem ser mais vulneráveis a vieses como o excesso de confiança e a aversão à perda.
-
Investidor Analítico-Deliberativo (IAD)
Predominância do Sistema 2. Este perfil caracteriza investidores que dedicam tempo para análise detalhada e consideração cuidadosa antes de tomar decisões. Eles são menos suscetíveis a vieses emocionais e estão melhor preparados para gerenciar riscos.
-
Investidor Equilibrado-Cauteloso (IEC)
Um equilíbrio entre os Sistemas 1 e 2. Este perfil caracteriza investidores que mostram uma mistura de intuição e análise em suas decisões. Eles podem ser flexíveis, ajustando sua abordagem com base nas circunstâncias.
Eu sei que você pode alegar que isso nada mais é que o API atual, que classifica os investidores em conservador, moderado e agressivo.
Mas não é bem assim.
Hoje, é muito comum um investidor ser analisado como conservador em uma corretora e como agressivo em outra. Além disso, as APIs atuais focam em tolerância a risco e patrimônio. Essa nova abordagem foca naquilo que está por trás das decisões de investimento, o comportamento. Isso oferece uma base muito mais estável para a classificação, que é menos suscetível a variações entre corretoras.
Há uma grande vantagem em proporcionar aos investidores mais conhecimento sobre seus próprios processos de pensamento pode ajudá-los a reconhecer e, possivelmente, corrigir vieses cognitivos prejudiciais, como excesso de confiança ou aversão à perda.
Fontes:
[1] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Traduzido por Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
[2] CVM - COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM 359. Acesso em 14 mar. 2022.