Durante a tramitação da Reforma Tributária foi muito discutido e alardeado o argumento de que não haveria aumento de impostos para a população devido a aplicação do modelo de IVA dual no Brasil. Essa tecla foi batida diversas vezes por pessoas dos mais amplos espectros ideológicos. Porém, com as notícias do aumento do ICMS em diversos estados nas últimas semanas, tal falácia cai por terra. Neste meu artigo, trago e comento dois argumentos que demonstram que, desde o início da tramitação do projeto, a população já poderia esperar um aumento da carga tributária.
Argumento 1: Situação fiscal e custo de oportunidade
Desde o início do atual governo sabe-se que o ano de 2023 iria fechar com um déficit. Projetava-se algo da ordem de 1% do PIB, porém, com as últimas projeções, espera-se um número real entre 1,5% e 2% do PIB como déficit. Além disso, diversos estados possuem situações fiscais extremamente deficitárias, tais como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul.
Assim sendo, a sanha arrecadadora do Estado fica ainda mais forte quando existe uma situação fiscal descompensada. Isso faz com que os incentivos sejam o de aumentar a arrecadação no curto prazo ao invés de criar um sistema tributário que favoreça o desenvolvimento do país no longo prazo. Um exemplo disso é que o governo federal vem tentando implementar a medida extremamente impopular de cobrar o Imposto de Importação das compras internacionais abaixo de 50 dólares, coisa que, no melhor dos mundos, teria um impacto da ordem de 0,1% no Orçamento da União.
Além disso, a “confusão” das alíquotas no período de transição torna esse um momento fértil para que os impostos sejam majorados com motivações escusas utilizando-se de desculpas esfarrapadas. O caso do ICMS é emblemático. No início dos anos 2000, o ICMS no Rio de Janeiro era de 17%. Após uma crise financeira do Estado o ICMS subiu para 18% com a incorporação do Fundo Estadual de Combate à Pobreza. E agora planeja-se aumentá-lo para 19,5%. Ou seja, uma majoração do ICMS da ordem de 15% nas últimas décadas.
Porém, em vez de justificar tal medida apresentando o verdadeiro motivo: que os estados necessitam aumentar as suas receitas frente ao aumento dos gastos acima da inflação e acima do crescimento do país; os governadores falam que querem preservar as receitas, frente ao novo modelo de repartição do IVA dual. Ou seja, cria-se uma oportunidade perfeita para o aumento dos impostos, em um período de desequilíbrio fiscal, com um custo de oportunidade ainda menor: a narrativa deixa de ser o aumento de receitas e passa a ser a manutenção dessas receitas.
No entanto, mesmo que a situação dos estados não fosse tão caótica, a Reforma Tributária geraria um aumento nos preços pelo argumento número dois, o qual explicarei agora.
Argumento 2: Sticky Costs
Dentro da literatura de contabilidade, uma teoria que existe é a dos “custos grudentos” (tradução do termo em inglês “sticky costs”). Isso ocorre quando há uma diminuição de algum custo, ou seja, a diminuição não é repassada totalmente ao consumidor. Assim, este é “grudento”.
Podemos pensar em um modelo simples de Reforma Tributária com apenas 2 setores. O Setor 1 possui um aumento de carga tributária +R e o Setor 2 possui uma diminuição da carga tributária -R. Assim, para o governo a arrecadação extra seria de R-R=0, i.e., uma Reforma Tributária “neutra”, como foi vendida para a população.
Porém, a variação do custo da população é dada por (1-d)R-(1-c)R, onde d é o desconto oferecido pelo Setor 1 aos seus consumidores ao não repassar todo o aumento tributário, com uma respectiva diminuição da margem de lucro. E c é o valor do desconto tributário que não é repassado aos consumidores do Setor 2 e é incorporado na margem de lucro dessas empresas.
É de se esperar que d
Tendo em vista que os dois argumentos são cumulativos, temos que o consumidor vai ter um aumento do custo de vida ainda maior, devido ao fato de que o governo irá aumentar a taxação e que os repasses de eventuais ganhos tributários não são totalmente repassados aos consumidores.
Assim, a afirmação de que a “Reforma Tributável é neutra” é uma falácia.
*Professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, Doutor e Mestre em Administração pela EBAPE/FGV e Contador pela FAF/UERJ