O banqueiro do outro lado da linha parecia ansioso. Era a manhã depois do colapso do Lehman Brothers Holdings Inc., em setembro de 2008, e ele estava ligando de Hong Kong com uma notícia impressionante. "Os navios estão parados", disse ele. "Parados."
Aquela conversa apressada, durante a qual o banqueiro observava a calma perturbadora do porto de Hong Kong, continua sendo para mim a melhor descrição do aperto do crédito mundial que se seguiu à queda do Lehman.
Os navios estavam parados porque o dinheiro estava parado: uma paralisia financeira nascida do medo e da desconfiança mútua entre banqueiros e empresas.
As tensões na máquina complexa que financia o comércio mundial acabaram diminuindo graças a injeções de capital gigantescas de bancos centrais, governos e instituições como o Banco de Desenvolvimento Asiático.
Mas a evaporação repentina do capital que sustentava os fluxos enormes entre as economias exportadoras da Ásia e América Latina e as massas consumidoras do Ocidente marcou para sempre os executivos dos bancos e das empresas.
Com outra crise econômica a pleno vapor, a questão é: Será que os problemas atuais da Europa poderiam ter o mesmo efeito nas finanças comerciais que a crise financeira dos Estados Unidos?
A Organização Mundial do Comércio, por exemplo, está prevendo que o comércio global vai crescer 3,7% este ano, bem abaixo da média de 5,4% dos últimos 20 anos. "Mais de três anos se passaram desde o colapso em 2008 e 2009, mas a economia mundial e o comércio continuam frágeis", disse em abril Pascal Lamy, diretor geral da OMC, ao apresentar sua desanimadora previsão. "Nós ainda não saímos do poço."
Os temores mais apocalípticos parecem ter sido exagerados, dado o estado relativamente saudável tanto do comércio mundial como dos grupos financeiros que o sustentam, mas os acontecimentos de 2008 são um lembrete da rapidez com que isso poderia mudar.
Talvez mais importante que isso seja o fato de que mudanças sísmicas estão ocorrendo tanto entre provedores quanto usuários de financiamento comercial na Ásia.
O mais notável é que vários bancos da zona do euro às voltas com a crise, principalmente os franceses, estão batendo em retirada do financiamento do comércio asiático — um terreno outrora lucrativo.
Menos de dois anos atrás, os bancos da zona do euro (com exceção dos da Alemanha, em situação bem melhor que a maioria) eram responsáveis por cerca de 43% dos grandes empréstimos comerciais na Ásia, segundo analistas do Morgan Stanley. No primeiro trimestre deste ano, eles só responderam por cerca de 3%.
Os dados mais recentes não são nem claros nem atualizados, mas conversas com banqueiros confirmam essa tendência. "Os bancos franceses estão se reorganizando", disse-me um executivo de um grande banco da França. "Isso não é apenas cíclico. É uma mudança estrutural."
As razões para a debandada dos bancos franceses de um negócio antigamente tão importante podem ser resumidas em uma palavra: "desalavancagem".
Espremidos por problemas financeiros em casa e forçados pela crise e novos regulamentos a aumentar suas reservas de capital, bancos como BNP Paribas SA, Société Générale SA e Crédit Agricole SA estão recuando.
Para piorar as coisas, a maior parte das transações comerciais é feita em dólar e os bancos franceses estão com reservas da moeda americana baixas por dois motivos: eles não têm depósitos nos EUA e o custo de captação em dólar subiu desde o começo da crise do euro.
"O J.P. Morgan tem depósitos gigantescos em dólar; nós temos zero. Temos que pegar no mercado cada dólar que emprestamos", disse outro executivo de um banco francês. "Nós éramos gordos, inocentes e felizes, escorados nos nossos ativos. Essa era terminou."
O espaço deixado pelos bancos da França vem sendo preenchido por duas classes de atores: bancos internacionais com um monte de dólares, como o HSBC Holdings PLC e o Standard Chartered PLC, e, mais surpreendentemente, os grandes bancos japoneses, ajudados por uma sólida situação financeira e as ambições asiáticas das empresas japonesas.
"Acreditamos que está acontecendo uma transferência de longo prazo de participação de mercado dos bancos da zona do euro para os locais e outros estrangeiros", escreveu num relatório recente Huw Van Steenis, analista do Morgan Stanley.
Até agora, há pouca evidência de que a reorganização está diminuindo os fundos disponíveis para que as empresas asiáticas possam satisfazer o apetite do mundo por exportações.
Mas há alguns sinais preocupantes. Uma pesquisa do Instituto de Finanças Internacionais com mais de 130 bancos de mercados emergentes revelou critérios de concessão de crédito mais rígidos na Ásia nos últimos seis trimestres. Algumas companhias asiáticas reclamam privadamente dos custos crescentes do capital para comércio — talvez o resultado do poder maior que um número menor de bancos exerce sobre os preços.
Não estamos nem perto do aperto pós-Lehman. Mas, para o crescimento econômico ganhar força, os navios terão que andar bem mais rápido.