Teoricamente, existem três formas fundamentais com as quais o governo consegue honrar as suas obrigações. São elas: impostos, inflação e dívida.
Um dos assuntos mais recorrentes quando falamos do longo prazo na macroeconomia brasileira é a delicada situação em que se encontram as nossas contas públicas e como a dívida em proporção ao PIB evoluirá no tempo.
Para efeito de compreensão da dramaticidade do assunto, saímos de uma dívida próxima a 50% no começo da década passada para 74,4% ao final de 2019 (ou seja, antes da covid-19). O aumento substancial do endividamento brasileiro leva ao claro questionamento sobre qual a possibilidade dessa dinâmica ser revertida no curto prazo.
A questão deve ser analisada, inicialmente, pelas formas de financiamento do governo. Teoricamente, existem três formas fundamentais com as quais o governo consegue honrar as suas obrigações. São elas: impostos, inflação e dívida. Dado que alterações na primeira e na segunda são politicamente custosas, pode-se entender que exista uma preferência do governo por financiar-se majoritariamente por meio da emissão de dívida.
No entanto, existe um claro limite para o endividamento, visto que é uma necessidade a crença que toda dívida emitida poderá ser paga. Assim, a capacidade do governo de emitir nova dívida para fazer frente aos seus gastos não é ilimitada, levando justamente à discussão presente para a economia brasileira sobre o tamanho do nosso endividamento em relação ao PIB.
Na outra ponta, pode-se pensar que um aumento consistente do PIB naturalmente reduziria a proporção de endividamento. Na teoria, esse pensamento é absolutamente verdadeiro. No entanto, temos de ter em conta o crescimento anêmico do Brasil nos últimos 10 anos. Ademais, a perspectiva à frente é que a expansão da economia permanecerá, estruturalmente, fraca.
Ou seja, ainda que algum choque possa elevar ciclicamente o nosso crescimento, as projeções de PIB potencial no Brasil têm sido paulatinamente reduzidas, sugerindo que o controle da dívida terá de ser via trajetória dos gastos em vez de aumento do PIB.
Tomemos agora os determinantes do montante de dívida em um dado período. Ele é regido pelos seguintes fatores:
• O estoque da dívida (em relação ao PIB) no período anterior;
• A taxa de juro real paga sobre o estoque da dívida do período anterior;
• O crescimento real do PIB;
• O resultado primário do governo (em relação ao PIB).
Os dois primeiros pontos contribuem para uma dívida mais alta conforme sobem. O terceiro contribui para uma dívida mais baixa conforme sobe. O último dependerá do sinal. Caso o governo seja superavitário, a dívida cairá. Caso o governo seja deficitário, a dívida aumentará, visto que o setor público precisará emitir nova dívida para fazer frente aos gastos.
Portanto, fica evidente que a grande questão brasileira reside justamente no último elemento. Temos gerados déficits profundos desde meados da década passada. O receio em um ano eleitoral é que novas despesas sejam criadas sem que antigas sejam cortadas, contribuindo, assim, para uma nova rodada de deterioração no déficit público.
Essa dinâmica, por sua vez, contribui para riscos inflacionários elevados, pois o governo poderia optar por financiar-se, como citado acima, por meio de maior emissão de moeda. Logo, a dívida maior obriga o Banco Central a manter os juros mais elevados de forma consistente, o que por sua vez também comprime a atividade.
Portanto, o controle das despesas permanecerá como o maior desafio do governo nos próximos anos, justificando toda a atenção que o mercado dá à discussão das propostas dos principais candidatos ao Palácio do Planalto.
A surpresa inflacionária reduzirá a dívida/PIB (ainda que adicione na conta de juros à frente), enquanto o aumento das commodities deverá provocar nova rodada de surpresa positiva com arrecadação. Ou seja, a foto da dívida poderá melhorar novamente, como no ano passado. Porém, a dinâmica, como exposto acima, permanecerá negativa.