Façamos um pequeno exercício para recobrar a memória de alguns meses atrás: o dólar, diz o texto, começou o ano de 2022 na casa dos R$ 5,57. Na primeira semana de abril, teve queda e registrava R$ 4,60 – o menor valor em algum tempo. Enquanto isso, o preço das commodities parecia seguir em sentido oposto. O minério de ferro, por exemplo, ostentava a máxima do ano, US$ 161 por tonelada. Como a matéria pontua, não é mera coincidência. Entender o sobe e desce do dólar, aqui no Brasil, deve passar necessariamente pela perspectiva dos produtos básicos globais não industrializados.
Contexto
O nosso país é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de commodities, em especial as agrícolas e minerais. A classe de mercadorias equivale uma parcela de 70% de toda a remessa brasileira para o exterior, além de dominarem os respectivos setores que as produzem. Se falamos de agropecuária, a soja lidera. No setor extrativo, a lista é encabeçada pelo já referido minério de ferro e pelo petróleo. Há, definitivamente, aquele peso dos países em desenvolvimento cujas economias dependem desses produtos. Seria melhor garantir o aumento das capacidades tecnológicas para escapar da "armadilha" que deixa populações vulneráveis, limitada ao comércio de bens primários.
A situação
De fato, o peso das commodities no PIB brasileiro mostra uma economia menos diversa em termos de produtos para exportação. Mas, para além dos conceitos básicos, precisamos encarar também a influência do setor no preço do dólar.
E é aí que entra um recente estudo, executado pelo time de especialistas do Travelex Bank, no último mês, buscando entender a relação entre o câmbio spot e o preço de commodities em dólar. Foram analisadas as séries históricas de janeiro de 2005 a maio de 2022. A valorização dos produtos primários acarreta em real apreciado – uma vez que é país exportador, o Brasil ganha com a entrada e o aumento da oferta de dólares internamente. Os dados mostram, entretanto, que, momentos turbulentos podem causar variação de tal forma, que a correlação negativa esperada poderá passar a ser positiva, em função de evento exógeno que causa aumento ou redução de ambas as variáveis.
Em grande parte das séries analisadas, as variáveis se movimentam em direções opostas: conforme o preço das commodities sobe, o dólar se desvaloriza ante o real. O inverso também é válido, e quando as commodities caem, o dólar sobe.
Comportamento atípico: a pandemia explica
Contudo, em 2020, o comportamento muda, e as variáveis sobem juntas. Essa é uma característica de períodos de instabilidade – não é preciso mencionar a pandemia de Covid-19 para entender os números. O impacto na cotação da moeda norte-americana se deve à aversão ao risco de países emergentes em cenários de incertezas. A fuga de capital estrangeiro desvaloriza o real. Do lado de cá, as commodities sobem por conta da oferta: as medidas restritivas impostas por vários países para o controle do vírus geraram um grande problema de produção, transporte e logística. Pronto! Disparada de preços.
Um olhar mais amplo
Analisando o período de 2013 a 2021, especificamente, a pesquisa define marcos bastante significativos da nossa história recente. Coloque a lupa e testemunhe você mesmo: percebemos que na maior parte do tempo, a correlação entre dólar e CRB é forte e negativa, como o esperado. Mas, a em 2016 a 2017 há uma expressiva diferença. O motivo? A instabilidade oriunda de escândalos de corrupção e seguidas tentativas de aprovação de reformas em plano nacional. Para completar a tempestade perfeita, os Estados Unidos aumentavam a taxa de juros e investidores saíam do Brasil sem qualquer remorso. Os eventos tiveram forte impacto no preço do dólar. Muito maiores do que nos valores das commodities. E assim, as variáveis se desconectaram.
Nos anos de 2018 e 2019, o cenário brasileiro também imprimia esse efeito distanciador. Em 2021, a pandemia ocasionou a redução na correlação a ponto de deixá-la positiva: dólar e CRB adotaram movimentos na mesma direção. As commodities subiram em função do aumento da demanda, com o fim de lockdown – no mesmo barco, veio a inflação. No câmbio, a busca pela segurança dos investidores motivou a apreciação do dólar ante ao real.
E o que esperar?
Em 2022, a melhora do cenário mundial em relação à pandemia voltou a deixar atrativo o investimento em países emergentes. O caldo engrossa porque nessa temporada o preço das matérias-primas vinha em franca ascensão. A invasão da Ucrânia pela Rússia deu um nó na oferta global de commodities, mas não houve fôlego suficiente que sustentasse a escalada na valorização (a soja, por exemplo, atingiu o pico em junho e voltou a baixar 20% desde então). Os reflexos estão por toda a parte. O calor da inflação galopante nas gôndolas dos supermercados está aí.
Como forma de conter a escalada inflacionária, os principais bancos centrais começaram a subir suas taxas básicas de juros, o que gera como consequência uma redução na liquidez global, podendo afetar a demanda por commodities. Além disso, a China, que recentemente divulgou dados fracos de atividade econômica, e com temores globais relacionados à uma possível recessão global em função das altas de juros, também motivam preocupações com a demanda por commodities, e se tratando de Brasil, a queda na atividade econômica chinesa, forte parceiro comercial, é ainda mais preocupante.