A conta do arcabouço fiscal não fecha.
O tão aguardado arcabouço fiscal foi enfim divulgado. O conjunto de regras para estabilizar a dívida pública e controlar os gastos do governo substitui o teto de gastos criado pelo governo Temer em 2017. A equipe econômica ainda vai detalhar a proposta nas próximas semanas.
Porém, as informações divulgadas levantam dúvidas pois a regra prevê que a despesa irá crescer em tempos de bonança e arrecadação em alta. Porém, o fato da regra também prevê alta dos gastos públicos em tempos de crise como mecanismo anticíclico levanta questionamentos sobre sua viabilidade e sustentabilidade a médio/longo prazo.
Segundo a regra o crescimento das despesas do governo estará limitado a 70% do crescimento das receitas dos últimos 12 meses, entre Julho de um ano e junho do ano subsequente. O arcabouço também prevê metas para o resultado primário e um piso para investimentos.
O fato do plano prevê um limite para o crescimento das despesas é um aspecto positivo.
Afinal, a expansão dos gastos públicos além dos limites toleráveis é uma doença crônica da economia brasileira que contamina governos da esquerda à direita do país há décadas. Porém, não podemos nos esquecer que o diabo mora nos detalhes.
De início já se pode afirmar que o novo arcabouço nasce mais fragilizado que o teto de gastos, afinal o teto é oriundo de uma emenda constitucional enquanto o arcabouço é fruto de uma lei complementar.
Uma das grandes vantagens do teto de gastos além de limitar o crescimento das despesas do governo é o fato dele impor custo político aos governantes que o quiserem violá-lo. Tal custo não existirá no novo arcabouço fiscal. Logo, se o teto que era mais rígido foi violado na primeira dificuldade orçamentária do governo por que podemos esperar que com o arcabouço divulgado ocorra diferente?
Durante a apresentação da nova regra fiscal o ministro da Fazenda Fernando Haddad descartou novas altas de impostos. Porém, diante da expansão fiscal oriunda da PEC do estouro é matematicamente improvável alcançar um equilíbrio das contas públicas e zerar o déficit público em 2024, conforme divulgado sem uma alta relevante na tributação para complementar a receita do governo central.
Após 2008, o congresso nacional foi um grande sócio do executivo quando se trata de expansão do gasto público. Porém, quando chega a hora de pagar a conta via aumento da carga tributária tal sociedade parece não existir.
A relação entre executivo e legislativo soa como 2 amigos que vão a balada juntos e tomam todas, porém na hora de acertar a conta o custo recai apenas sobre um deles.
Além do aumento da carga tributária para complementar a receita. O sucesso do arcabouço fiscal deve passar por uma alta da inflação superior às metas atuais nos próximos anos para contribuir com o crescimento da receita nominal.
Ora, se o crescimento do gasto público está ancorado à receita nominal, e esta por sua vez, cresce junto com a inflação é mera questão de tempo para o governo vender para a população que um pouco a mais de inflação não faz mal a ninguém.
Desse modo, se hoje há pressão do governo para mudar a meta de inflação essa discussão deve se intensificar nos próximos meses. Afinal, quanto maior for a inflação maior será a alta do gasto público no ano subsequente.
Outro ponto que merece atenção na nova regra é o fato dela prevê uma punição para o não cumprimento das metas estabelecidas. Porém, é muita ingenuidade acreditar que algum governo, de direita ou esquerda, irá respeitar essa limitação e aceitar perder receita em um ano eleitoral ao mesmo tempo que vemos as despesas obrigatórias crescendo. Quando esse dilema bater a nossa porta podemos esperar que o “jeitinho brasileiro” irá prevalecer.
Desde as eleições a incerteza aumentou consideravelmente na economia brasileira e as expectativas se deterioraram. Porém, a divulgação do arcabouço reduz parte dessas incertezas, afinal uma regra limitada é melhor do que não ter regra nenhuma.
Ainda há detalhes técnicos a respeito da nova regra a serem divulgados. Porém, o sucesso da sua implementação só será alcançado por meio de alta de impostos e/ou por meio de uma inflação maior. Desse modo, diante do cenário atual e das perspectivas de crescimento limitado para a economia brasileira investir em títulos públicos e privados de empresas sólidas que pagam uma rentabilidade real de 6,5% ao ano é uma oportunidade mais atrativa do que a maioria das empresas do IBOVESPA oferece com um risco menor.
É fato que o Valuation do IBOVESPA se encontra em níveis atrativos. Porém, poucas empresas da bolsa têm potencial de entregar um retorno real de 6.5% a.a pelos próximos anos. A oportunidade de verdade que o mercado está proporcionando está na renda fixa, porém poucos se dão conta disso.