O Centrão atendeu a um dos pedidos da “lista de desejos” do governo e aprovou ontem o projeto de autonomia do Banco Central. O texto não sofreu mudanças em relação ao que saiu do Senado, estabelecendo mandatos fixos de quatro anos à diretoria do BC, e segue agora para sanção presidencial. Mas isso não significa que o bloco de partidos vai presentear o Palácio do Planalto com os demais itens solicitados pela equipe econômica.
Ao contrário. A vitória esmagadora na votação ontem, por 339 votos a favor e 114 contra, derrubando todas as emendas da oposição, mostrou a força do Centrão na Câmara e a pressão dessa ala política no Congresso desde a vitória de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco nas Casas Legislativas. Portanto, não são os aliados do presidente Jair Bolsonaro que têm de se curvar ao Executivo.
Como bem salientou Lira ontem, ao ser questionado sobre o espaço fiscal para uma nova rodada do auxílio emergencial logo após a aprovação do projeto que dá autonomia ao BC, “quem tem que achar é a Economia, não eu”. Ou seja, a conta pelo apoio do Centrão ao governo chegou - e mal começou a ser paga. E o mercado financeiro vai entendendo que caberá ao bloco de partidos aliados definir como se dará o retorno do benefício social.
As dúvidas giram em torno do formato, tamanho, duração e se haverá ou não contrapartida fiscal. Diante disso, os ativos de risco locais vêm encontrando dificuldade para melhorar o desempenho e seguem em uma espiral negativa. O Ibovespa, por exemplo, emplacou ontem o terceiro pregão seguido de queda e ainda não fechou no azul nesta semana, apesar dos novos recordes de pontuação em Nova York.
LEIA MAIS: Auxílio emergencial é certo, a dúvida é como e quanto, dizem analistas
Já o dólar segue rondando a faixa de R$ 5,40, sob o olhar atento do Banco Central, que voltou a ofertar leilão no mercado futuro. Aliás, o mercado de juros futuros não consegue realizar prêmios, mesmo com os dados domésticos fracos de inflação e atividade, por causa do novo ataque ao fiscal. Esse cenário desafia a condução da taxa básica de juros pelo BC, com a curva a termo local embutindo alta de quase 3 pontos na Selic só neste ano.
Diante disso, os investidores devem continuar monitorando as movimentações políticas, cientes da necessidade de novos gastos para socorrer a população mais vulnerável à pandemia, sob o risco de não haver ajustes fiscais em paralelo. Por ora, sobram boatos de mais endividamento em detrimento à criação de imposto transitório. Se isso se confirmar, a piora das contas públicas coloca na berlinda a perspectiva otimista traçada pelo mercado.
Vai Ter Reflação?
Com isso, qualquer prognóstico de recuperação dos negócios locais hoje é fraco, apesar de mais um dia de sinalização positiva vinda dos índices futuros das bolsas de Nova York. A agenda econômica esvaziada lá fora deve garantir maior volatilidade no pregão, ainda mais com o início das festividades do Ano Novo Lunar em boa parte da Ásia, o que manteve a maioria dos mercados da região fechados hoje, enxugando parte da liquidez.
Enquanto aqui o foco está na cena política, o exterior se debruça sobre os dados fracos da inflação ao consumidor norte-americano (CPI), divulgados ontem. A alta mensal de 0,3%, abaixo da previsão (+0,4%), e a manutenção da estabilidade no núcleo do indicador, que exclui itens de preços mais voláteis, contrariando a expectativa de ligeira aceleração, esfria as apostas de rápida recuperação econômica dos Estados Unidos através dos gastos.
Ao mesmo tempo, os números esquentam o debate sobre se uma inflação de demanda estaria em curso, em meio aos estímulos monetários e fiscais lançados pelo Federal Reserve e pela Casa Branca - além de mais um pacote trilionário, o primeiro do governo Biden, que está por vir. A previsão ainda é de que a inflação está a caminho, graças a essa injeção de recursos, que deve estimular o consumo e intensificar a retomada da atividade.
Porém, se isso não se confirmar, o que pode acontecer é o estouro da bolha que vem se formando em torno de uma diversidade de classes de ativos. Em reação à falta de consenso, o dólar mede forças em relação às moedas rivais, o que enfraquece o petróleo. Já o juro projetado pelo título dos EUA de 10 anos (T-note) está abaixo de 1,5%, enquanto o rendimento (yield) do papel de dois anos (T-bill) atingiu o nível recorde de baixa.
Agenda local em destaque
A agenda econômica do dia traz como destaque os indicadores domésticos. Às 9h, serão conhecidos o desempenho do setor de serviços em dezembro (e no acumulado de 2020) e uma nova estimativa para a safra agrícola neste ano. Na safra de balanços, sai o resultado trimestral do BB (SA:BBAS3).
Lá fora, o calendário traz apenas os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos nos EUA (10h30), que devem corroborar o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, ontem, de que o mercado de trabalho norte-americano ainda está longe de uma recuperação total dos impactos da pandemia até alcançar o pleno emprego.