O começo desta semana no Brasil foi desalentador: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso se aliaram para estourar o teto do gasto com uma proposta populista de auxílio às famílias desprotegidas, o Senado negou-se sequer a discutir a tributação sobre dividendos, passando um sentimento de que a austeridade estaria enterrada. Apressa-se, então, o Banco Central em declarar que leniência fiscal será compensada com agressividade monetária crescente. Como resultado, as bolsas despencaram, os juros explodiram e o câmbio subiu.
Adicionando uma pitada internacional a agravar nossa perplexidade: o cenário mundial é absolutamente natural, sem sustos nem surpresas. Do lado negativo, a surto do petróleo, que deverá ser revertido por traições dentro da Opep, oferta crescente de gás natural russo e reativação da produção de shale nos Estados Unidos. Em decorrência da alta do preço do carvão na China, o governo respondeu com expansão da oferta, ao suspender medidas ambientais de restrição à sua exploração. No mais, todos os preços de commodities marcham alinhados para um desaquecimento, eliminando o fator inflacionário dominante no movimento de alta atual. Portos passam a funcionar em turnos de 24 horas, contribuindo para a normalização logística e, ainda que mais lentamente do que se esperava, o recondicionamento das cadeias produtivas vai acontecendo, empurrando a inflação de custos para um segundo plano. Europa e China, então, consolidam um cenário de crescimento satisfatório para 2022, sem herança inflacionária preocupante e com as autoridades monetárias atentas para eventuais correções marginais nas taxas de juros.
Nos Estados Unidos, o Federal Reserve ganhou a batalha contra o delírio do mercado de alguns meses atrás, que suplicava por aumentos de juros imediatamente. Fiel aos manuais de Economia, o Fed declarava que inflação de custos é fenômeno transitório, que prescinde de alta de juros para ser revertido. Lá, os juros futuros subiram e caíram sem que o Fed se abalasse. Mais recentemente, constatando que alguns pontos de estrangulamento no mercado de trabalho começam a se consolidar e que há uma alegria crescente no comportamento dos consumidores, o Fed adianta-se e avisa que vai iniciar neste ano a diminuir a injeção de liquidez na economia, postergando para 2022 aumentos modestos nos juros. Com isto, a economia americana continua a crescer sem surto inflacionário e as bolsas se valorizam, graças ao desempenho lustroso de suas empresas.
Resumindo: em uma ecologia internacional amena, até favorável à economia brasileira, aqui o humor dos investidores azedou. Pasmem: mesmo com o setor produtivo revelando dados tranquilizadores quanto ao comportamento da economia. Sim, pois a reversão da alta dos preços de commodities beneficia-nos no fronte inflacionário, fazendo com que os 10,25% do IPCA acumulado até setembro sejam o pico inflacionário, se São Pedro ajudar. Daqui para frente, marcha batida para 3,5%, até o final do ano que vem. A atividade econômica está voltando, muito bem no setor primário, razoável nos serviços e débil no industrial. Vale dizer, 5% de crescimento do PIB neste ano e algo entre 2 e 4% no ano que vem, a depender da truculência do Banco Central em demonstrar comprometimento com o enfrentamento da inflação. Das contas externas nem é preciso comentar, céu de brigadeiro neste e no próximo ano.
Por que, então, tanto pessimismo?
Os mal humorados de sempre respondem que o compromisso fiscal foi para o espaço, questão de tempo então para o gasto governamental inflacionar a economia e o Banco Central ser obrigado a subir ainda mais os juros, gerando estagflação.
No que se refere ao comportamento do Congresso, a crítica procede. Realmente, aumentar o subsídio às famílias além do proposto, ao mesmo tempo em que se nega a tributar as classes altas é a volta da velha fisiologia que vem retardando nosso crescimento há décadas.
Na verdade, na questão fiscal vivemos um momento semelhante ao pós-Cruzado, em relação à inflação. Repare que o Cruzado – uma agressão à Lógica com seu aumento de salário real e congelamento de preços – nunca teve chance de dar certo. Mas despertou os políticos para a demanda latente ardorosa que havia na sociedade por estabilidade de preços, que culminou com o genial Plano Real. Desde então, o combate à inflação tornou-se prioridade de esquerda e direita, apesar de desmunhecadas eventuais. Pois a emenda do teto do gasto é o Plano Cruzado da austeridade fiscal: só um alienado pode crer que funcionaria limitar o total de gasto, sem especificar quais itens desta despesa seriam controlados. O objetivo subjacente a medida tão estapafúrdia era forçar a classe política a cortar os gastos correntes intocáveis, a reduzir benefícios abusivos dos funcionários públicos e trazer racionalidade a aposentadoria dos marajás. Que isto seria possível ficou comprovado pelo sucesso dos governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por exemplo, que aprovaram cortes estruturais de despesas com pessoal nas suas Assembleias. Está faltando agora o Plano Real da austeridade fiscal, do qual a reforma administrativa que paira no Congresso seria o passo mais importante.
Infelizmente, em Brasília, os ventos do bom senso não passam de brisas. O Parlamento se nega a cortar privilégios, tributar os ricos, mas abraça amorosamente a demagogia do gasto eleitoral populista. O momento, então, é de pressionar nossos representantes a agir como estadistas e não mais com o oportunistas irresponsáveis.
Muito importante: reconhecer que o Ministro da Economia é o líder legitimo do processo de modernização da economia, que manteve a dívida publica sob controle, apesar da pandemia e das pressões políticas. O único Ministro que ousou propor aumentar a tributação da classe alta. Que vem lutando por todas as bandeiras que havia alçado desde sua nomeação, apesar do ônus imposto por pertencer a um governo tão contestado.
Reconheçamos que o Executivo está fazendo sua parte e coloquemos pressão no Parlamento para que as condições objetivas existentes para uma retomada sustentável do crescimento sejam concretizadas.