O ano de 2020 foi marcado por adversidades. Do lado da demanda, a pandemia de coronavírus resultou em mudanças bruscas no comportamento do consumidor. Do lado da oferta, o clima prejudicou a atividade, devido às irregularidades das chuvas e às secas extremas, especialmente no Sul do País. Esses dois fatores, combinados, proporcionaram um ano de desequilíbrios entre a oferta e a demanda e de elevação substancial dos preços no campo. De acordo com pesquisas do Cepea, de janeiro a novembro, o preço do leite (“Média Brasil” líquida) acumulou forte alta de 47,7%, influenciado principalmente pelas consecutivas elevações entre junho e outubro. O preço de outubro atingiu o recorde real da série histórica do Cepea, de R$ 2,1586/litro. Na média de 2020, o preço foi de R$ 1,7135/litro, 16,4% acima da registrada em 2019, em termos reais (valores deflacionados pelo IPCA). Os dados de dezembro (captação de novembro) serão divulgados no final deste mês, mas pesquisas preliminares do Cepea apontam para uma atípica alta de preços, já que a oferta não se elevou de forma substancial e a competição entre indústrias seguiu acirrada para a compra de matéria-prima.
O isolamento social por conta da covid-19 iniciado no encerramento de março acabou interrompendo parte dos serviços de alimentação, importante canal de distribuição de lácteos, gerando grandes incertezas no setor. Como consequência, as indústrias diminuíram a compra de leite e orientaram produtores a “segurarem” a produção em abril. Os preços do leite captado naquele mês registraram queda pontual e isso teve efeitos sobre a produção, que permaneceu enxuta nos meses posteriores – também influenciada negativamente pelo clima. No entanto, o consumo foi sustentado pelo auxílio emergencial. As vendas de lácteos passaram a registrar desempenhos positivos a partir de maio e os estoques de lácteos como o leite UHT, muçarela e leite em pó permaneceram em volumes baixos. Isso manteve os preços dos lácteos em constante elevação, atingindo recordes subsequentes, até o maior patamar verificado, em setembro. Com isso, as cotações no campo se mantiveram valorizadas e estimularam o aumento da produção, mas isso aconteceu de forma lenta. Assim, a competição entre indústrias para a compra de leite no campo continuou acirrada, contexto que resultou em aumento das importações depois de julho. As importações significaram um aumento na disponibilidade de lácteos, sobretudo de leite em pó, o principal produto da pauta, e possibilitaram menor pressão na concorrência entre as indústrias de laticínios para compra de matéria-prima. Contudo, as exportações também se elevaram em 2020, impulsionadas pelo dólar valorizado.
Até agosto, as indústrias de laticínios não tiveram grandes dificuldades em repassar a alta da matéria-prima ao consumidor devido à demanda firme e aos estoques limitados de lácteos. Entretanto, isso foi se tornando mais difícil depois de setembro, à medida que os preços dos lácteos atingiram patamares recordes. A diminuição do auxílio emergencial, o aumento do desemprego e os elevados preços na prateleira para o consumidor – não só de lácteos, mas também de outros produtos – enfraqueceram a demanda por derivados. A pressão dos canais de distribuição por preços mais baixos foi mais intensa, o que motivou a queda nos preços ao produtor em novembro (que se refere à captação de outubro). No entanto, esse movimento de desvalorização do leite no campo se deu ao mesmo tempo em que se intensificou a alta nas cotações de grãos (ver seção Custos, na página 7). Além disso, a irregularidade de chuvas no final do ano, atribuída a La Niña, afetou tanto a produção dos grãos quanto a disponibilidade de pastagens e deve segurar a oferta de leite neste final de ano. Vale lembrar, também, que a valorização da arroba em 2020 estimula produtores a descartar matrizes leiteiras. Por um lado, esse fato proporciona uma maior especialização do rebanho e contenção de custos ao produtor. Por outro, configura uma perda de ativos produtivos que, somada a falta de investimento na atividade, torna-se um elemento que diminui a capacidade de retomada da produção, principalmente em bacias leiteiras menos tecnificadas.