2019 – agitação para encerrar uma década agitada.

Publicado 05.01.2019, 08:05
Atualizado 09.07.2023, 07:32

Antes de nos adiantarmos neste texto, fica o convite para o que ficou escrito há um ano, com destaque para o último parágrafo. Ficou aí bem patente o que esperávamos para 2018, sendo que o grande receio era mesmo a possibilidade de estarmos a chegar ao fim de um ciclo bem positivo nos mercados internacionais.
Algum dia teria de ocorrer.
Nenhuma surpresa, pois, ao olharmos para o ano que findou. Surpresa é quando um ciclo tão positivo sobrevive a tantas “ocorrências”, o que prova algo que sempre afirmamos: para os mercados não conta tanto a realidade quanto a percepção que dela temos. E se é verdade que os mercados podem sobreviver às mais impressionantes contrariedades, também é verdade que a qualquer momento a dita percepção da realidade pode mudar tudo, ainda que a realidade subjacente já lá estivesse presente. No caso dos mercados globais (e aqui globais não se refere só à geografia, mas também à globalidade dos ativos), há muito que se estava a perder um fator preponderante para a continuação de uma certa euforia nos mesmos. Estamos a falar da bendita liquidez, criada pelos Bancos Centrais, a qual permitiu uma enorme inflação de toda a sorte de ativos, além da famosa alavancagem até território de bolha com a colaboração de toda a espécie de derivativos exóticos, os quais “sobreviveram” à crise de 2008 e respetivos desdobramentos, voltando com toda a força ao longo dos últimos anos. Em suma: nada muda na esfera financeira e na história dos mercados.

Pode-se hoje afirmar que 2018 é o ano em que nada daquilo que é um ativo “normal” rendeu dinheiro (ok, sempre temos o trigo e alguns outros como exceção à regra), quanto mais os ativos “fora do normal” (aliás, logo em Janeiro começou o esvaziamento de uma bolha anunciada, a das criptomoedas). Mas para suportar essa frase é preciso considerar o ano de calendário do primeiro ao último segundo. Mais uma vez se prova que o “timing” é tudo nos mercados. Quem tenha fechado posições no final do terceiro trimestre, por exemplo em alguns mercados acionistas, terá festejado rendimentos muito apreciáveis. Isto é só um exemplo. O ano prometia ser complexo, sendo que logo no mês de Janeiro, ficou o aviso na forma de uma correção importante. O mercado teve forças para recuperar mas, posteriormente, claudicou. Em vez de vender em Maio e ir embora, a realidade mostrou que era só mudar o nome do mês, neste caso Setembro ou, no limite, Outubro. Desta vez acabariam por ser importantes correções, sendo que ainda teremos de entender melhor o que se vai passar a partir de agora. Teremos finalmente uma mudança das grandes tendências de longo prazo? Em breve saberemos algo mais do que sabemos agora.

Entretanto, aquilo a que assistimos no plano geopolítico está em linha com o que era esperado: as grandes nações “monolíticas” mostraram as suas garras, EUA, China e Rússia tiveram o papel esperado na esfera global, sendo que novos blocos estão a voltar à cena mundial, com destaque para o Brasil, a partir de agora alinhado com o bloco norte-americano, mas com uma determinação clara de retomar a iniciativa na região onde se insere. Poderemos esperar novas reemergências em grandes e populosas nações nos próximos anos. Atenção crescente e gradual à India, à Indonésia, só para dar exemplo. Surpresa: se o Reino Unido confirmar a saída da EU, começará uma travessia no deserto, mas que acabará inevitavelmente por redundar num novo bloco unitário com grandes ligações à maioria dos restantes. Paradoxalmente, a saída da EU não dará alternativas que não sejam a de novas integrações, embora num quadro de total equidistância. Mas isso é um exemplo que só vale para o próprio Reino Unido devido a circunstâncias históricas assaz conhecidas.

É aqui que surge uma das questões mais intrigantes dos próximos tempos, creio até que os mercados já começaram, ao de leve, a se debruçar sobre essa situação: a fragilidade sistémica da União Europeia. Com lideranças enfraquecidas pela falta de compreensão de novas circunstâncias, o bloco europeu perde protagonismo global ao mesmo tempo que mostra um agravamento da coesão interna. Vejamos as contradições: após vinte anos, a moeda única mostrou ser uma construção inócua. Não unificou as economias participantes, não as aproximou em termos de política fiscal, não contribuiu para a uniformização dos juros de mercado, não ajudou a resolver os excessivos endividamentos de alguns dos países integrantes. Só teve sucesso na aproximação das taxas de inflação ao consumidor e na facilitação de viagens, comércio e câmbios. Confirmou-se, assim, a premissa histórica de que qualquer união monetária só poderá ter sucesso de longo prazo em conjunto com uma união fiscal. É absolutamente extraordinário que, apesar de inúmeros avisos, ainda ninguém tenha levado a sério esta premissa. Não será fácil mudar as mentalidades de quem está bem instalado. É por causa disso que se verifica uma certa crise de confiança nas instituições. Pouco de que é prometido é cumprido. Somando a esse desencanto, o engano que foi para as populações, as soluções da grave crise de há dez anos, temos um caldo de cultura de desconfiança nas sociedades que só pode levar a frustrações, protestos e violência. Em todo o mundo ocidental é esse o sentimento, mas na Europa é muito mais marcante, devido às ondas de choque das várias crises que se interpolaram.
As soluções, dizia, para a grave crise, passaram por criar liquidez através da chamada compra de ativos. Dado que muitos ativos são privados, assistimos a uma torpe transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. Na verdade, até as classes média, força motriz das sociedades desenvolvidas, entraram em decadência, estando agora mais próximo dos mais pobres do que dos mais ricos, o contrário do que seria a solução ideal. No fundo, o contribuinte pagou a farra da Banca, dos Estados, sem nada de especial em troca. Eis, este, o verdadeiro espírito por detrás das revoltas populares em França ou das fortes votações em políticos antissistema. Além disso, nada de verdadeiramente fundamental se resolveu. As Economias não estão mais fortes, não estão melhor protegidas contra novos choques, ao mesmo tempo que o endividamento (empobrecimento futuro) não para de crescer. Essa é também a razão pela qual a inflação, medida em preços ao consumidor, não existe na prática. Aliás, basta que “commodities” como as energias percam valor para que retorne o fantasma da inflação zero. Não teria sido diferente se parte das verbas artificialmente criadas para a compra de ativos fosse injetada como crédito fiscal para os contribuintes?

Por isso, o ano de 2019 promete, no mínimo, momentos de intranquilidade. Além da instabilidade conhecida da política internacional e das infindáveis crises regionais, deveremos assistir a momentos de instabilidade nos mercados internacionais. A incerteza será grande e ninguém poderá dizer se vamos assistir a mais ou a menos crescimento econômico. A maioria falará de arrefecimento nas economias, após anos claramente positivos. Alguns falarão de uma pequena recessão cíclica, daquelas à moda antiga. Por mim, continuo a falar da armadilha da liquidez que o Japão tão bem conhece há tantos anos. Por lá, no sol nascente, já tentaram o desmame da excessiva liquidez, mas nunca deu certo. Até prova em contrário parecem estar condenados a programas de criação de moeda e compra de ativos. Até a China já dá sinais do mesmo tipo de dependência, embora por razões bem diferentes. A Europa da moeda única está claramente a dar sinais de que será o próximo Japão, mas haverá condições políticas para manter esse tipo de política monetária? Eis mais um foco de instabilidade para os próximos tempos. Nos EUA, as dinâmicas são outras, bem mais favoráveis do que na EU, mas até lá, em caso de recessão, teriam de retornar a políticas de juro zero.

Ora, é este “mix” de velhas e novas questões, de problemas econômicos e políticos que deve levar a instabilidade nos mercados. Essa instabilidade já chegou em 2018 e poderá ter momentos de forte volatilidade em 2019, antes da inevitável acalmia. A festa dos mercados entrou em pausa e não há sinais que levem a supor que este ano será melhor. A abertura do champagne terá de ficar para melhores dias.

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