2018 – Nós Primeiro, Depois os Outros

Publicado 04.01.2018, 21:16
Atualizado 09.07.2023, 07:32

No ano passado, a incerteza reinava logo no início do mesmo. Os EUA tinham eleito um presidente improvável, a Rússia mostrava as garras no médio oriente e a China preparava o congresso do seu Partido único prometendo novos paradigmas. Além disso, o terrorismo afetava tudo e todos, começou logo no “réveillon” de Istambul, prometia não deixar ninguém sossegado, de oriente a ocidente. Para não falar noutros conflitos e em situações latentes, como a questão da Catalunha e as incertezas eleitorais de países importantes, como a França e Alemanha.

O grau de incerteza parecia atingir máximos de “um bull market”. Diz-se sempre que os mercados detestam incerteza, mas cabe questionar: será que detestam mesmo?

Afinal, o que seria o mundo sem incerteza? Se todos soubessem o dia de amanhã, a vida seria insuportável. Provavelmente nem haveria mercado financeiro também, pois sabendo-se qual a cotação de um ativo daqui a seis meses, não haveria oportunidade de ganhar dinheiro ao investir no mesmo, pois todos teriam a mesma informação.

Por isso, a incerteza pode levar a alterações importantes na hora da decisão, mas não impede que se tomem decisões. Quando se tratam de investimentos, há fatores bem mais importantes do que “certezas” que não existem. Mesmo a dicotomia entre pessimismo e otimismo tende a ser hipervalorizada. O que mais importa nos mercados (e não só nas bolsas) em geral é a perceção da realidade.

Se os operadores percebem que existe e vai continuar a existir no futuro próximo uma abundante liquidez, aumenta a apetência pelo risco. Se os juros reais estão e poderão continuar negativos ou, na pior das hipóteses, neutros, aumenta a tendência de compra de ativos de renda variável e também de imóveis teoricamente inflacionados.

É isso a que temos assistido na última década e meia. Tirando o período agitado da crise do sub-prime (ele próprio um subproduto do exagero do crédito), os mercados sempre tiveram uma tendência de maior exuberância.

Há sempre exceções, como as causadas por crises regionais ou locais, mas os países mais desenvolvidos têm devolvido de um modo geral ganhos importantes aos que investem nos seus ativos de maior risco. Com a preciosa ajuda dos respetivos Bancos Centrais, o conceito de risco se alterou e quase desapareceu. Claro que isso não é correto, mas, de novo, há que salientar que mais do que a realidade, está em causa a perceção que se tem dela. Nos últimos tempos, a grande ideia é a positividade.

Há dez anos, à beira da crise do sub-prime, numa época em que a mesma poderia ainda ter sido evitada, estava em marcha um movimento de deslocamento da esfera económico-financeira (leia-se: dinheiro de cá para lá) do mundo ocidental para o mundo oriental, com destaque para a China. O movimento já existia quando dele falei, apenas se tornou mais efetivo. Na verdade, as sucessivas crises financeiras com origem no mundo ocidental só colaboram para o empobrecimento do mesmo, favorecendo o oriente, sendo este mais bem adaptável às mudanças de volume do rendimento e às transformações dos parceiros comerciais. Esse movimento que mudou muito o chamado “mundo global” ainda existe, porém levou a uma reação que é, na minha modesta opinião, um dos temas do presente, sendo merecedor de destaque, quando se tenta trazer alguma perspetiva ao novo ano.

Para responder a uma globalização que quebra barreiras transnacionais, desregula o movimento de cidadãos, abre fronteiras comerciais, aumenta o volume do comércio e dos negócios, mas que não parece beneficiar a todos de igual modo, ou que não beneficia alguns de todo, surgiram movimentos políticos de reação mais ou menos enquadrados no quadro geo-político existente. Nalguns casos, à globalização, responde-se com um recrudescimento do nacionalismo económico, mais ou menos alinhado com algum nacionalismo político.

As antigas nações e regiões, historicamente relevantes sob diversos pontos de vista, sentem-se hoje ameaçadas, procurando reagir. À antiga política de blocos, produto da “guerra fria”, assiste-se hoje a novos blocos e, sobretudo, a nações que por si só perfazem um bloco, defendendo acima de tudo os seus interesses, só se importando com os demais quando isso não os prejudicar ou quando possam também tirar outros benefícios.

De quem falamos, então? Desde logo da R.P. China, essa enorme e populosa Nação, elevada a segunda economia mundial, a caminho de se tornar um dia a primeira. Em 1980 era responsável por 1% do comércio mundial, hoje atinge os 12%, o que é espantoso. A China tornou-se o “bloco” unitário mais forte, mais influente não só na Ásia mas também em vários pontos do mundo. O seu tipo de nacionalismo económico permitiu adaptar um sistema político fechado a uma economia mais aberta, embora controlada e condicionada.

O Estado tem a primazia. Entretanto, reapareceu outra Nação histórica como um bloco. A Rússia, gigantesca em território (embora nem tanto em população), antiga líder de um sistema fechado, reaparece na esfera geo-política com Putin e a sua nova “perspetiva cultural” que define a Nação como única, não sendo verdadeiramente asiática ou europeia. Após uma prolongada crise, emerge com vasta influência, sobretudo nos territórios vizinhos, mas com impacto mundial. Ao contrário da China que tem sido um motor de crescimento, a Rússia só agora parece emergir de uma forte recessão, preparando-se para dar cartas na economia, embora dificilmente poderá se comparar à China.

Para responder a estas duas realidades, que muitas vezes se apoiam mutuamente por motivos de tática política e de interesse comum, apareceu uma nova tendência na maior economia mundial. Apesar da clara falta de compreensão geral do que significa a América de Trump, há que dizer que não é tão complexa a análise aos factos. Tal como nos tempos de Reagan, à época perante uns EUA fragilizados no seu papel no mundo, hoje assistimos a uma resposta semelhante dos norte-americanos frente à realidade emergente. Assim, emergiu o nacionalismo económico na América, um bloco perante os restantes blocos.

Esta tendência não deve parar por aqui: é fácil de entender que outros seguirão, como a Índia, essa grande realidade tantas vezes esquecida e que já tomou a decisão de crescer economicamente e em influência regional. Também o Brasil, martirizado por uma grave crise moral, social e económica, começa a se configurar para um novo ciclo de reformas que levarão a outro bloco com muito potencial de crescimento e influência. Estas e outras grandes Nações darão que falar no futuro próximo.

E a Europa perante esta realidade? Se insistir num caminho dúbio e sem uma otimização do potencial socio-económico entre os seus integrantes no seu todo continental, não só não conseguirá assumir-se como um bloco capaz de resistir aos avanços dos concorrentes, como ficará condenada a viver em sucessivas crises de natureza variável.

Perante esta realidade, em que a Europa precisa de se assumir finalmente como uma autêntica “blockchain” política, civilizacional e econômica, deverão os demais blocos assumir a liderança dos eventos no mundo. Sem uma resolução rápida dessa contradição, o mais provável será a emergência de novos fenómenos nacionais e regionais dentro da Europa, coligando-se ou não entre si, perante necessidades comuns, mais ou menos óbvias, consoante os casos. Isso já é visível, por exemplo a leste onde se formou informalmente a chamada “coligação de Visegrad”, a propósito da política de imigração comum.

Não há qualquer dúvida que o planeta deve assistir a um recrudescimento de novas e antigas fricções e até ao retomar de velhos conflitos e novas disputas. A grande questão que se coloca, entre tantas outras, para quem está interessado na problemática da economia e da esfera financeira global é a seguinte: como manter um mundo perfeito de sucessos constantes nos mercados de risco perante esse outro mundo de contradições e interesses desavindos?

O mais interessante e surpreendente é que é mesmo possível viver a meio desse “conundrum”. É, hoje e sempre, o velho “trepar o muro das preocupações” o qual é bem conhecido nos mercados. Foi assim no auge de algumas crises setoriais, no auge da atuação do ISIS na europa e médio oriente, pode continuar a ser assim num mundo de blocos unipolares antagónicos. É que, nem tudo o que parece….é.

Na verdade, algumas políticas protecionistas não passam de retórica e propaganda pura. Por muito que se diga “nós primeiro e só depois os outros todos”, na prática, o que se verifica é a retomada do comércio global de bens e serviços para níveis muito interessantes, para não falar no crescimento global do PIB para níveis muito positivos.

Mais: a perspetiva é de aumento do crescimento e não de diminuição. E é isso que os mercados nos têm estado a dizer nos últimos anos. No caso dos mercados norte-americanos ainda mais assim é, graças à baixa de impostos que permite às empresas mais liquidez para readquirir ações próprias em Bolsa, o que ajuda à valorização das mesmas. Outros dos chamados “grandes” deverão também implementar medidas de alavancagem do crescimento, razão pela qual o otimismo se tornou global, mesmo num contexto de um mundo cheio de contradições.

Em suma, 2018, salvo alguma enorme catástrofe (esta ressalva é uma platitude, sabemos bem) natural ou humana, há ainda espaço para crescimento, para otimismo, para valorizações.

Não será fácil discernir se isto é o meio ou o fim de um ciclo positivo que já vai bem adiantado, mas uma coisa parece óbvia – dificilmente escaparemos de momentos mais complicados do que nos tempos recentes, de correções de maior monta, de maior volatilidade do que o habitual.

De fato, a única surpresa em 2018 seria a repetição do que se passou no ano passado. E, como sabemos, também nos mercados não há jogos iguais aos outros. Para quem se encontra “investido”, a grande questão é saber manter o rumo, redobrando as atenções.

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