Há alguns dias, falei aqui neste espaço sobre o KES Summit 2024, evento de inovação e economia que trouxe uma série de discussões interessantes.
Uma delas foi a conversa sobre a simbiose entre economia e natureza. Durante o evento, que contou com a presença de dois nomes importantes da Academia Brasileira de Letras – o economista Eduardo Giannetti e o líder indígena e ambientalista Ailton Krenak –, ficou claro que o crescimento econômico, como o conhecemos, não pode mais ser desvinculado das questões ambientais.
Giannetti questionou a real validade do Produto Interno Bruto (PIB) como medida de prosperidade nacional e argumentou que a economia atual “não considera melhorar os custos ambientais das escolhas desde a Revolução Industrial”, e vai além ao dizer que “a internalização desses custos (como a precificação do carbono) será prevista para um desenvolvimento sustentável”.
Esse é o ponto central de sua fala, ao dizer que estamos presos a um modelo econômico que, apesar de gerar riquezas, desconsidera os impactos ambientais que acompanham essas conquistas.
No cerne de sua análise, Giannetti destaca que a sociedade moderna valoriza uma competição desenfreada por bens escassos, mas pouco reflete sobre a qualidade de vida que isso proporciona.
Ele lança uma pergunta muito interessante: “até onde vai precisar piorar para que as pessoas se deem conta de que está errado?”.
O economista nos leva a repensar o que realmente estamos buscando enquanto sociedade: crescimento ilimitado ou uma vida de bem-estar e sustentabilidade?
Ao abordar a trajetória histórica do pensamento econômico, Giannetti também faz uma crítica contundente ao fracasso dos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade.
Para ele, esses valores foram substituídos pela obsessão com o sucesso material, o que levou à manipulação ambiental e social.
“Somos portadores de uma cultura com potencial de originalidade”, diz ele, apontando para a necessidade de o Brasil renunciar a ser uma imitação de nações desenvolvidas, mas, por outro lado, desenvolver um projeto nacional que valorize a colaboração e a sustentabilidade.
A fala de Ailton Krenak, por sua vez, complementa o que diz Giannetti.
Krenak traz uma visão crítica da sociedade contemporânea, onde a economia cria uma “máquina de desejos”, constantemente impulsionada pela inovação tecnológica, mas que ignora as consequências ambientais.
Ele menciona que essa máquina “produz tanto o bom quanto o ruim”, associando a criação de novas mercadorias, como carros voadores, ao agravamento da crise climática.
Para Krenak, uma crise não é apenas ambiental, mas também de identidade. “Somos parte da terra e esquecemos disso”, afirma.
Ele critica a forma como a humanidade, especialmente no contexto do capitalismo moderno, vive de maneira extrativista, consumindo os recursos naturais como se fossem infinitos, sem refletir sobre as consequências disso.
“Atuamos nesse organismo de maneira extrativista”, continua ele, destacando que o afastamento do ser humano de sua conexão com a terra é uma das raízes do problema.
Krenak nos lembra que a destruição da natureza é, em última instância, uma autodestruição.
Os dados da Oxfam Brasil apresentados no evento reforçam a magnitude do desequilíbrio global.
A elite mundial, composta por 1% mais rico, emite a mesma quantidade de poluição que 5 bilhões de pessoas, sendo que apenas um bilhão de indivíduos são responsáveis por 50% das emissões globais de carbono.
Essa concentração de riqueza e poder resulta em uma disparidade absurda, tanto em termos de emissão de substâncias quanto na questão de renda.
Enquanto uma minoria destrói o planeta em nome do progresso, a maioria luta para sobreviver em um mundo cada vez mais degradado.
O que fica evidente nas falas de Giannetti e Krenak é que a solução para o crescimento sustentável não reside apenas em uma questão técnica, mas também em uma profunda mudança de valores.
Giannetti fala sobre um Brasil que deve se libertar do “progresso mimético”, a ideia de que o país deve seguir cegamente os modelos econômicos de nações direcionadas.
Para ele, o Brasil tem um potencial único, baseado em sua cultura rica e original, capaz de oferecer ao mundo uma alternativa ao consumo desenvolvido e à exploração insustentável de recursos.
Krenak reforça essa visão ao lembrar que o futuro da humanidade está diretamente ligado à nossa capacidade de nos reconectarmos com a natureza.
Ele sugere que, em vez de continuarmos em
busca de inovações que apenas servem para nossos desejos, devemos refletir sobre a nossa simbiose com o planeta.
“Mais ideias para adiar o fim do mundo”.
A frase de Krenak sintetiza o pensamento de que as soluções para a crise climática e ambiental não surgirão de novas tecnologias milagrosas, mas sim de uma mudança radical em nossa forma de viver e nos relacionarmos com a terra.
No fim, o KES Summit não foi apenas um palco de debates sobre economia e sustentabilidade, mas um chamado à ação.
A mensagem de Giannetti e Krenak é clara: o modelo atual de crescimento é insustentável, tanto ambiental quanto socialmente.
É urgente que falemos sobre crescimento sustentável – e mais importante, que comecemos a agir.
A terra, que há tanto tempo nos sustenta, não pode mais ser tratada como algo separado da economia. Afinal, como bem disse Krenak, “somos parte dela”.
Pense nisso e até a próxima!