Eu começo o texto de hoje citando umas das minhas músicas favoritas da banda R.E.M.: “It's the End of the World as We Know It (And I Feel Fine)” - ("É o Fim do Mundo como o Conhecemos, Mas Eu Me Sinto Bem") -, que voltou às paradas de sucesso da Billboard com o crescimento da pandemia do coronavírus.
A Levante decretou que todos os seus trabalhadores ficassem em casa (home office) desde a semana do dia 16 de março. Estou no décimo segundo dia de isolamento da quarentena, bastante preocupado, procurando me informar, cuidando da minha saúde e me adaptando à nova realidade.
Antes mesmo da quarentena começar, eu disse para uma amiga: “o mundo não será mais como antes”. Apesar do pânico nos mercados financeiros mundiais, estou bem tranquilo com os meus investimentos, pois sei exatamente o risco que estou correndo com a minha carteira de ativos.
Caro leitor, você sabe o risco que está correndo?
Como diria o sábio de Omaha, Warren Buffett: “risco é você não saber o que está fazendo”. Assim, o meu principal objetivo aqui é explicar alguns conceitos sobre risco no mercado de renda variável (ações) e como montar uma carteira de investimentos adequada ao perfil de risco de cada investidor.
Forte queda no Ibovespa
O Ibovespa apresentou trajetória de recuperação na última semana: chegou a subir 22,2 por cento desde o seu ponto mais baixo nesta segunda-feira (23/mar) aos 63.569 pontos e terminou em alta de 9,5 por cento na semana (de 23 a 27 de março). Mesmo assim, o principal índice da bolsa de valores brasileira ainda acumula desempenho negativo de 36,5 por cento em 2020.
O movimento de correção no Ibovespa foi mais intenso do que nas correções anteriores (Joesley Day, greve dos caminhoneiros e crise imobiliária nos Estados Unidos, em 2008). E o momento atual nos mercados está mais para a época pós-ataques terroristas ao World Trade Center nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001 do que a crise imobiliária de 2008.
Estamos vivendo uma era de muita incerteza, pois o Covid-19 afetou bastante a vida das pessoas no mundo todo de maneira muito rápida e contagiosa, causando um “shutdown” na economia global, com uma forte queda no Produto Interno Bruto (PIB) e um rápido aumento no desemprego.
Volatilidade é vida?
Para muitos investidores no mercado de ações, volatilidade é vida. Porém, eu acredito que os investidores não entendem muito bem qual o nível de risco requerido para se investir em ações. No mercado de alta, todo mundo presta muita atenção no retorno acumulado e nem tanta atenção no risco incorrido.
Relação risco e retorno
O ponto de partida de qualquer análise sobre o desempenho de um portfólio de investimentos sempre foi o retorno do ativo em um determinado período. Acreditamos que essa informação isolada é incompleta, pois não considera a volatilidade do retorno. Mas o que é volatilidade? É uma medida de dispersão de retorno, que analisa o grau de risco.
Volatilidade é uma medida estatística que mede a frequência e a intensidade das oscilações no preço de um ativo, em um período determinado de tempo. Por meio dela, o investidor pode ter uma ideia aproximada da variação do preço de um título no futuro.
Quanto mais o preço de uma ação variar em um período curto, maior o risco de se ganhar ou de se perder dinheiro negociando esta ação. Quanto maior a volatilidade, maior será o nível de risco, maior será o seu desvio padrão em relação à média.
Psicologia do comportamento humano
O psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia em 2002 e um dos maiores especialistas sobre economia comportamental, mostrou por meio de experimentos científicos que o comportamento humano é aparentemente irracional na gestão do risco.
O ser humano tem um comportamento diferente em relação aos ganhos e às perdas no mercado de ações. Uma perda de por exemplo 30 por cento em um investimento causa uma tristeza/abatimento maior que a alegria de uma valorização de 30 por cento no mesmo investimento.
Esse viés no comportamento humano explica a motivação dos investidores para vender ações quando o preço está caindo e para comprar ações quando o preço está em alta. Esse comportamento irracional do ser humano é oposto ao desejável no mercado se ações: “comprar na baixa e vender na alta”.
Motivos para eu estar tranquilo
Estou tranquilo na crise por cinco motivos: 1) tenho reserva de emergência; 2) sei muito bem qual o meu perfil de risco; 3) a parcela dos meus recursos investida em renda variável está de acordo com este perfil e; 4) tenho seguro (hedge) em dólar e; 5) posição de caixa para poder comprar ativos no momento de queda.
A minha reserva de emergência cobre 10 meses de todas as minhas despesas e custos fixos, com os recursos aplicados num fundo DI com liquidez imediata (D+0).
No meu caso a parcela de renda variável corresponde a 50% do meu patrimônio, com recursos investidos em fundos de ações e multimercado, com visão de longo prazo. Uma boa parcela do meu patrimônio (mais de 30%) está investida em renda fixa, mais precisamente títulos atrelados à inflação (NTN-B/IPCA+) com objetivo de aposentadoria.
Além da minha reserva de emergência, eu também tenho investimentos no exterior, atrelados ao dólar (hedge/seguro) e; posição de caixa num fundo DI de curto prazo na minha corretora.
1 milhão de investidores novatos na Bolsa
Nos últimos 12 meses a quantidade de pessoas físicas que investem na bolsa de valores aumentou para 2 milhões de CPFs, sendo que 1 milhão entrou nos últimos 12 meses. Apesar do crescimento, menos de 1 por cento da população brasileira investe em ações, nível considerado baixo se comparado com países como Peru, Colômbia e Bolívia.
Com a queda da taxa de juros (Selic), o brasileiro começou a transferir seus investimentos para a renda variável, saindo da segurança, da liquidez e da baixa rentabilidade do CDI e migrando para o risco de prazo mais longo das ações.
Principais erros dos investidores
O principal erro que os investidores cometeram foi ter alocado uma parcela muito grande do seu patrimônio em ativos de risco e na renda variável, como fundos imobiliários e ações.
Outro erro foi não ter considerado o risco de liquidez pois, em um momento de pânico, a queda no preço dos ativos é ainda mais acentuada. Fazer resgates e movimentações muito grandes na carteira de investimentos em momento de pânico não é recomendável.
Por último, provavelmente os investidores não fizeram um seguro (hedge) e não tinham aplicações financeiras em ouro e dólar. Afinal nem todo mundo compra guarda-chuva num dia de sol.
Quando o investidor aumentou a participação de renda variável na carteira de investimentos em busca de retorno mais elevado, ele também elevou o risco dos seus investimentos.
Como montar uma carteira de investimentos
O mais importante é diversificar a carteira em diferentes classes de ativos: taxa de juros pós-fixadas Selic/CDI (liquidez), renda fixa (inflação e pré-fixados), fundos multimercado, fundos imobiliários, ações e o seguro (hedge) com dólar, ouro e ativos no exterior.
Assim como um bom time de futebol começa por um bom goleiro, uma carteira de investimento começa com uma boa reserva de liquidez, com ativos de baixo risco e liquidez (D+0) para ter tranquilidade em momentos como a quarentena atual decorrente da pandemia do coronavírus. O recomendável é ter de 6 a 12 meses de despesas totais e/ou salários mensais reservados para emergências.
Ainda no exemplo do futebol: se o goleiro é a reserva de emergência, a renda variável (ações) é o ataque. Cada investidor tem um perfil de risco, portanto é preciso escolher com cuidado o esquema tático e definir a participação da renda variável (fundo imobiliários e ações) na sua carteira.
Depois falta apenas escalar o meio de campo, com ativos de renda fixa (inflação e pré-fixado), fundos multimercados e montar a sua posição de hedge (seguro), que pode ser ouro, dólar e ativos no exterior (hoje é muito fácil abrir conta em corretora no Exterior).
O que fazer agora?
Se você reconhece que exagerou na parcela da renda variável no seu patrimônio, o momento não é de pânico. Invista recursos novos em outras classes de ativos, componha a sua reserva de liquidez, equivalente a pelo menos 6 a 12 meses de gastos/despesas e tenha proteção na sua carteira.
A minha recomendação é NÃO vender nenhuma ação (com visão de longo prazo) – a menos que tenha ocorrido alguma mudança estrutural nos fundamentos da empresa ou na tese de investimento.
Se você tem tolerância ao risco, tem boa reserva de emergência e tem caixa, nossa recomendação é ir às compras na Bolsa com parcimônia, sem gastar todas as fichas (caixa) de uma vez só, sempre com diversificação de ativos e gestão de risco, pois o maior erro de um investidor é deixar o tamanho da posição muito grande.
Diversificação é a chave do jogo
Uma carteira bem equilibrada, com boa distribuição em diferentes classes de ativos, diminui o risco dos seus investimentos. No atual momento de queda na Bolsa, a parcela de renda fixa (juros pós-ficados) e os seguros (hedge) em dólar e ouro pode compensar o resultado negativo na renda variável.
O segredo aqui é sempre olhar a carteira com um todo, sempre medindo o retorno ajustado ao risco da carteira consolidada, e não focar apenas em determinadas classes de ativos.
Para terminar, volto à analogia do futebol: o importante é analisar o desempenho do time como um todo e não somente analisar quantos gols o centroavante perdeu. Muitas vezes não é preciso mudar completamente o esquema tático, mas apenas fazer uma mudança para colocar o time mais ao ataque (aumentar exposição em ações) ou trocar um jogador (sai lateral que sobe muito ao ataque, entra o que fica mais na marcação, redução de risco).
Seja o melhor técnico da sua carteira de investimentos, pense no esquema tático e escale os melhores jogadores/investimentos para o seu perfil de risco.